Ao caminhar por Borovsk, duas coisas me chamam atenção nesta cidade a 100 km de Moscou.
Primeiro, quase não há sinal da eleição presidencial que acontece este fim de semana.
Vejo poucos banners ou outdoors eleitorais e nenhum panfleto político sendo distribuído.
Não surpreende, na verdade. A ausência de preparativos eleitorais é um reflexo da ausência de drama em torno de um evento organizado que dará a Vladimir Putin um quinto mandato no Kremlin.
Outra coisa que é impossível não notar em Borovsk é a arte de rua. Está por todos os lados.
E grande parte foi criada pelo artista de rua Vladimir Ovchinnikov. Por toda a cidade, seu trabalho está presente em paredes e edifícios.
A maioria de suas pinturas não é controversa. Como o globo gigante contando a história da cidade. Ou a imagem de um jogador de futebol famoso.
Cada vez mais, porém, quando Vladimir pinta uma imagem da Rússia de hoje, segue por caminho obscuro.
“Eu chamo esta de o Auge da Ambição”, me diz o artista de 86 anos. A pintura que ele me mostra em sua casa contém um homem de uniforme de artes marciais andando em uma corda bamba sobre uma montanha de crânios humanos.
“É a isso que a ambição de alguém no topo do poder pode levar.”
Ainda mais dramática é sua imagem de dois moedores de carne moendo pessoas – um deles chamado de 1937 (o ano do Grande Terror de Stalin); o outro de Operação Militar Especial (guerra da Rússia na Ucrânia).
“Não aprendemos qualquer lição”, conclui Vladimir.
Após grafitar moedores de carne semelhantes em uma parede, o artista foi multado por “questionar” o exército russo. O mesmo aconteceu com a arte de rua que mostrava mísseis caindo sobre uma garota vestida de azul e amarelo, as cores da Ucrânia.
Vladimir não usa sua arte apenas para comentar o presente, mas também para jogar luz sobre o passado sombrio da Rússia – as repressões da era Stalin. Seu grafite criticando a guerra na Ucrânia não cai bem com as autoridades. E rapidamente a parede é pintada.
“Minhas pinturas fazem as pessoas pensarem: estamos certos ou errados neste conflito?” Vladimir me diz. “Acredito que isso é um crime contra a integridade territorial de um estado vizinho. Eu estaria aprovando se ficasse em silêncio.”
“Muitas pessoas ficam quietas, porque têm medo de repressão, de perder seus empregos e de serem criticadas por outros.”
Após a morte do líder da oposição Alexei Navalny na prisão, Vladimir pintou o retrato de Navalny em uma pedra memorial que fica num local que homenageia as vítimas da repressão política.
“No mesmo dia alguém limpou”, Vladimir me diz. “Mas em casa eu pintei um rascunho em papelão. E mais tarde eu peguei (o rascunho) e coloquei perto do memorial.”
Como Vladimir vê o futuro da Rússia?
“Alguns preveem mais repressão”, diz ele, “e que estamos caminhando para o totalitarismo e a ditadura total”.
A imagem do presidente
Vladimir Ovchinnikov me diz que nunca assiste à televisão.
Se o fizesse, ele veria uma imagem muito diferente da Rússia na TV estatal.
A versão de Vladimir Putin.
Sem montanhas de crânios humanos. Sem moedores de carne. Nenhuma menção a Alexei Navalny.
Essa não é uma Rússia agressiva no exterior e repressiva em casa. É uma Rússia com um passado glorioso e um futuro igualmente glorioso. Uma Rússia de heróis e patriotas se reunindo em torno da bandeira para defender a pátria de agressão externa.
E é uma Rússia que ama seu atual líder.
Há alguns dias, o noticiário noturno do Canal 1 da Rússia mostrou o que parecia ser fãs adoradores de Putin cumprimentando o presidente como se ele fosse uma estrela pop.
“Cuide-se”, gritou uma mulher, antes de beijá-lo.
“Longa vida!” Gritou um homem.
Se você confiasse apenas no Canal 1 para notícias, provavelmente concluiria que Vladimir Putin está pronto para uma vitória esmagadora na eleição presidencial.
Mas, assim como com as pinturas, o contexto é importante.
E o contexto aqui é crucial.
O Kremlin não apenas controla a televisão na Rússia, mas também gerencia todo o sistema político, incluindo as eleições.
O presidente Putin não enfrenta nenhum desafio sério enquanto busca um quinto mandato. Seus críticos mais vocais fugiram para o exílio ou foram presos em casa. Navalny, seu oponente mais feroz, está morto.
Mas o Kremlin gosta de se gabar de que a Rússia tem a “melhor democracia” do mundo. Assim, aparecem com Putin na cédula de votação, oficialmente autorizados, três concorrentes do parlamento amigável ao Kremlin.
Eu encontrei com um deles recentemente. E foi uma experiência estranha.
“Por que você acha que seria um presidente melhor do que Putin?” Perguntei a Nikolai Kharitonov, o candidato do Partido Comunista.
“Não cabe a mim dizer”, respondeu Kharitonov. “Isso não seria certo.”
“Mas você acha que seu manifesto é melhor do que o de Putin?” continuei.
“Os eleitores é que devem decidir.”
“Mas o que você acha?”
“Não importa o que eu penso. Cabe aos eleitores.”
Em vez de elogiar a si próprio, Kharitonov elogiou o atual presidente.
“Hoje, Vladimir Putin tenta resolver muitos dos problemas da década de 1990, quando Yeltsin arrastou a Rússia para o capitalismo selvagem”, disse Kharitonov. “Ele está tentando consolidar a nação para a vitória em todas as áreas. E isso vai acontecer!”
Algo me diz que o coração de Nikolai Kharitonov não está nessa corrida.
Um político que tentou e não conseguiu entrar na cédula foi o político antiguerra Boris Nadezhdin.
“É absolutamente impossível dizer que as nossas eleições presidenciais são justas e livres”, me diz Nadezhdin. Ele afirma que foi impedido de concorrer porque sua mensagem antiguerra estava se tornando muito popular.
“As pesquisas mostram que cerca de 30-35% das pessoas na Rússia queriam votar em um candidato, como eu, que fala sobre paz. É um resultado absolutamente impossível para o nosso governo.”
A imagem nas ruas
De volta a Borovsk, aprecio a vista da ponte sobre o rio Protva.
A partir daqui, a cidade parece uma pintura: uma foto da Rússia que eu poderia imaginar pendurada no Hermitage. Em cima de uma colina há uma bela igreja, com casas pitorescas logo abaixo, cobertas de neve. Empacotadas em casacos quentes, as pessoas caminham cuidadosamente por caminhos congelados.
Eu também caminho com cuidado em direção à cidade para avaliar o clima. Nas ruas de Borovsk, o que as pessoas pensam sobre a guerra, a eleição e seu presidente?
“Não importa como você vote, tudo já está decidido”, me diz uma jovem chamada Svetlana. “Eu não vejo nenhum sentido em participar.”
Mas muitos aqui, especialmente os russos mais velhos, me dizem que vão votar. À medida que falo com as pessoas, fica claro que a Rússia vista na TV tem muitos apoiadores.
“Espero que Vladimir Putin vença a eleição e que isso acabe com a guerra”, me diz Lyudmila. “Muitos homens jovens foram mortos. Quando houver paz, muitos países finalmente entenderão que a Rússia é imbatível.”
“Por que você quer que Putin ganhe?” Eu pergunto. “Afinal, ele é o homem que iniciou a Operação Militar Especial.”
“Há muitas opiniões”, admite Lyudmila. “Alguns dizem que essa guerra nunca deveria ter começado. Alguns dizem que ele estava certo. Eu não vou julgá-lo agora. Não conhecemos todos os detalhes políticos.”
“Putin está no poder há quase um quarto de século”, digo. “Em um país de 145 milhões de pessoas, não há mais ninguém que possa fazer seu trabalho?”
“Ah, não, temos muitos líderes talentosos que poderiam, em uma emergência, governar o país”, responde Lyudmila.
Nikolai também votará no atual presidente, aparentemente indiferente ao fato de Putin estar há duas décadas e meia no poder.
“E aí? Tivemos czares que governaram por muito tempo”, diz Nikolai. “Havia bons czares e maus. Tivemos Stalin e Brezhnev. Você pode mudar um líder, mas isso faz pouca diferença em nossas vidas.”