A diretora-geral do Fundo Monetário Internacional advoga para a resolução da crise da dívida da zona euro o mesmo método que o banqueiro J.P. Morgan usou em outubro de 1907. Ou o velho método da Curia Romana até que haja “fumo branco”.
A diretora-geral do Fundo Monetário Internacional está a tornar-se uma campeã de ditos que fazem manchetes. Numa conferência de imprensa na Letónia advogou o que acha ser o método adequado para resolver a crise da dívida europeia, que se arrasta sem uma solução à vista. “Eu ficaria com a chave e fechá-los-ia até que os líderes europeus acordassem num plano completo e exaustivo”, disse, ontem, Christine Lagarde.
O método é antigo – a Curia Romana usa-o para eleger o novo papa. Ou seja, até sair fumo branco. Mas o caso de antologia face a crises financeiras do capitalismo foi protagonizado pelo banqueiro norte-americano J.P.Morgan. Em outubro de 1907.
O método Morgan
Naqueles dias da grande crise financeira de outubro de 1907, que ficou conhecida como “o pânico de 1907”, J.P. Morgan (JPM), Pierpont como era tratado pelos íntimos, estava irritadíssimo na sua biblioteca. Ela ficava no seu palacete no número 29 da ala este da rua 36 em Manhattan, Nova Iorque.
Face à paralisia geral, ao pânico entre os seus colegas banqueiros (alguns suicidavam-se), e à ausência de atuação política do governo norte-americano, ele decidiu liderar o assunto. Fê-lo visivelmente quatro dias depois do crash de 18 de Outubro, mandando uma comissão de banqueiros auditarem as instituições “colegas” aflitas. A sua biblioteca tinha sido construída nos três anos anteriores pelo arquitecto Charles McKim. Ainda cheirava, por isso, a novo quando se transformou no “gabinete de guerra” antipânico.
Pierpont organizou pessoalmente os pools de dezenas de milhões de dólares para acudir aos bancos em apuros em reuniões madrugada fora na sua biblioteca, por vezes dando ultimatos de 15 minutos aos outros banqueiros para se decidirem a contribuir para o saco de resgate. Reuniões literalmente à porta fechada – a chave estava no bolso dele. Só saíram depois do dinheiro necessário recolhido – na altura, o plano para injetar liquidez. Passassem fome ou apertos de bexiga, dali não se levantavam, até que fumo branco saísse.
Pressão sobre os governantes da zona euro
Recorde-se que, ainda ontem, o presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi, empurrou para os governantes europeus a resolução do problema da crise. “Alguns dos problemas da zona euro nada têm a ver com a política monetária. Não creio que seja adequado que a política monetária substitua a falta de ação de outras instituições”, disse em conferência de imprensa depois da reunião mensal do conselho de governadores.
Os norte-americanos e os britânicos reafirmaram também que estão “muito preocupados” com a situação europeia e reclamaram “um plano imediato” numa conversação telefónica, realizada ontem à noite, entre o presidente Barack Obama e o primeiro-ministro britânico David Cameron. Os dois pretendem que a Europa tenha um plano “que restaure a confiança dos mercados” antes da cimeira do G20 no México a 18 e 19 de junho, logo depois das eleições (decisivas) na Grécia e do final das eleições legislativas em França. Segundo o jornal alemão Der Spiegel, Obama e Cameron terão concordado na necessidade de medidas imediatas, incluindo as próprias obrigações europeias (eurobonds), e o primeiro-ministro britânico deverá ir dizer isso mesmo à chanceler Merkel na sua deslocação hoje a Berlim.
O primeiro-ministro finlandês, que reuniu em Washington com o presidente da Reserva Federal e com o secretário do Tesouro norte-americano, fez-se eco da “preocupação” que paira nas cabeças de Ben Bernanke e Tim Geithner. Eles temem uma “nova crise bancária” de grandes proporções.
Mário Draghi, interrogado na conferência de imprensa acima referida sobre se estaríamos à beira de um novo “momento Lehmam” (referência ao Lehman Brothers, símbolo do pico da crise financeira de 2008) disse que não. “Não. A situação [atual] não é similar à do Lehman. Estamos ainda longe de uma situação dessas. Há grandes diferenças entre então e hoje”, tranquilizou o presidente do BCE. Para depois explicar o que acha ser a principal diferença: “Então levou algum tempo a perceber-se como aquela crise se iria propagar. Hoje, em larga medida, nós sabemos quais são os problemas”.
Da “loucura” de Draghi à tática de Merkel
A Reuters Breaking Views acusou o BCE de sofrer da mesmo doença dos políticos de “estar à espera” e o Prémio Nobel da Economia Paul Krugman criticou duramente esta última reunião mensal do conselho de governadores. “A doutrina [alegadamente schumpeteriana da destruição criativa em épocas de crise] exerce uma atração emocional inegável para gente que está numa situação confortável. É completamente louca face a tudo o que aprendemos nos últimos 80 anos. Mas estes são tempos de loucura, vestida em fatos chiques”.
A cimeira europeia realizar-se-á apenas a 28 de junho. Faltam onze dias. Entretanto, a chanceler alemã Ângela Merkel já baixou as espetativas em relação à cimeira de final do mês numa entrevista à cadeia alemã ARD, segundo a Reuters. Para a agência Eurointelligence, esta tática de arrastamento por parte da chanceler, mesmo com a crise a agravar-se, prende-se com as eleições gerais na Alemanha em setembro de 2013 (mês em que tecnicamente Portugal deverá regressar à emissão de dívida pública a médio e longo prazo).
FONTE: Expresso
