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    BONGA: Foi o álbum Angola 72 que me catapultou para os palcos do mundo

    É dos poucos artistas angolanos com lugar cativo na world music. Adelino Barceló de Carvalho, aliás, Bonga, celebra a 5 de Setembro, o seu aniversário, por imposição dos seus admiradores, que se juntam aos magotes, em Lisboa e Paris, onde é obrigado a viajar, para cumprir o ritual.

    Artista de créditos firmados no universo da Lusáfrica integra, a par de Cesária Évora, a constelação de vedetas da editora francesa, circulando em todo o mundo pela mão da poderosa distribuidora BMG, que exige, como condição primeira para o seu trabalho, uma edição mínima de 100 mil cópias.

    O seu último álbum “Bairro” foi por via disso incluído na lista dos 100 melhores do mundo, facto que diz bem da grandeza da sua obra.

    Aos 68 anos de idade, Bonga é, sem dúvida alguma um caso sério de popularidade, a que dificilmente alguém se pode alhear.

    Com uma carteira de espectáculos de fazer inveja, e mais de 100 shows/ano, Bonga é um recordista do Atletismo e da música, com 38 CD’s editados e mais de 500 canções de sua autoria.

    PORTANGOL – Como é que se sentiu quando anunciaram o seu último álbum “Bairro”, na lista dos 100 melhores do mundo?

    B – Foi um acontecimento que mexeu comigo pela positiva. Foi óptimo! Quantas coisas já mexeram comigo, das quais nem sequer contava, não é verdade!… Essa foi mais uma surpresa que se junta às demais, desde que entrei para a World Music, com várias composições, espectáculos. Tem sido óptimo. Quer dizer, é mais um elemento que enriquece  a carreira!

    P – E isso tem-se traduzido em mais espectáculos?

    B – Depende.. O facto em si dá uma maior postura ao nome do artista, que fica a pesar mais.

    P – Em termos numéricos podemos falar em quantos exemplares do álbum já vendidos?

    B – Muitos milhares.

    P – Ultrapassam os 20 mil?

    B – Claro, oh pá… E de que maneira! Muito mais!

    P – E onde é que estava quando recebeu esta notícia?

    B – Em Paris. É lá onde normalmente as coisas acontecem. Contrariamente ao que alguns pensam que seja Lisboa, não é não senhora!… É em Paris onde estão, o empresário que editou o CD; os promotores, etc. É a partir de lá que vamos rodando todo o mundo.

    P – Portanto, o próximo álbum será melhor do que este?

    B – Ah, ah, ah! É como ter um filho; nunca se sabe o carácter, o temperamento e o impacto que vai ter, consoante as promoções, a onda; Um CD com 14/15 músicas cria uma onda; há sempre uma que marca. Pega-se em várias músicas para promoção e há sempre uma que sobressai. Vamos lá ver, o que nos reserva o próximo álbum…

    P – Está satisfeito com a editora Lusáfrica?

    B – Nunca se está satisfeito no total. Não há ninguém que esteja totalmente satisfeito com a editoras. Têm algumas restrições; às vezes algumas preferências, outras vezes, certas engrenagens que ultrapassam o artista. Estou a falar com conhecimento de causa. Parecendo que não, já tenho 38 CD´s  gravados e quase 500 músicas da minha autoria.

    P – Muito labor?

    B – Claro, sem trabalho, não há frutos!

    P– E qual será a temática do novo álbum?

    B – Olha, a vivência e os reencontros! Os reencontros às vezes são um pouco febris, cheios de incerteza. Quando reencontramos alguém, sobretudo um amigo, vê-mo-lo um pouco acabrunhado sentimos que ajudá-lo é a uma responsabilidade nossa. Os reencontros são muito importantes! Fazer um disco com essa abordagem é fazer história. Justamente pela multiplicidade de situações que por vezes apresentam.

    Estou à procura do nome adequado a dar este álbum.

    P – Mas já está na forja?

    B –Está na muxima*, a latejar. O papel e o gravador já estão a funcionar. Mas tudo, como diz o outro: malembe, malembe*. Não tenho que correr mais. Estou a fazer tudo calmamente.

    P – Sei que  neste momento não estará a trabalhar com o Semba Masters, que são os responsáveis pelo acompanhamento dos últimos álbuns. Em que grupo é que  está a pensar para o próximo registo discográfico?

    B –  Eu tenho um grupo que me acompanha. O facto do Semba Masters não fazer parte do meu elenco, à excepção do grande maestro Betinho Feijó, o Bonga sempre teve grupos que o acompanharam… Quem tiver uma idéia dos discos gravados ao longo desta carreira tremenda, notará que vários foram os grupos, e principalmente os convidados profissionais, que sem fazerem parte de agrupamento nenhum, me acompanharam, devido sobretudo à sua competência.

    P – O semba tem estado a sofrer melhorias técnicas com novas sonoridades e o Bonga mantém-se fiel às raízes. Como é que explica esse fenómeno?

    B – Explico pela vivência dos primeiros 23 anos, que era o tempo colonial, período caracterizado pela resistência e oposição ao sistema, fazendo de mim o artista que sou hoje, que sempre se empenhou na recolha, no acompanhamento, na ligação com os nossos mais velhos, que eram grandes enciclopédias de informação, coisa que já não existe hoje – temos que dizer. Por conseguinte viver lá fora, onde ainda há preconceito, contribuiu para a sua diminuição. Por isso é que me acompanho com a dikanza, com o hungo, o kissanje e o batuque, a enfim, a tónica fundamental da cadência rítmica que é o concerto, faz de mim um artista singular.

    P – Pelos espectáculos que faz pelo mundo nota-se também que o semba é bastante viajado. Tem porém menos força que o kuduro. Não o assusta o ascendente desta corrente artística?

    B – Não, de maneira nenhuma. O tango está vivo na Argentina! Mesmo com outras tónicas modernas, do rithm and blues. O samba brasileiro está em força, mesmo existindo os oloduns, o samba reaggae, o trio eléctrico, etc.

    Não podemos de forma nenhuma enveredar por este tipo de pensamento porque vai criar divergências entre nós. O semba tem o seu lugar, a sua história, a sua pulsação, os seus adeptos. Não vamos de forma nenhuma estar a fazer competições. Desgraçado de mim que fizesse hoje em dia competição com o kuduro. Que brincadeira é esta? Eu nem sequer estaria a ser o kota que sou, de referência, a todos esses miúdos, que mesmo fazendo kuduro, me procuram para cantar semba! Imagine!

    P – Já agora diga-nos uma coisa: como é que compõe as suas canções? Quem é o seu precioso auxiliar na concepção melódica?

    B – Sou eu mesmo. Tenho um instrumento melódico que eu “gratino”, nas minhas composições, que é a ngaeta. Este é o meu precioso auxiliar.

    Mas é preciso informar , por ser uma questão pertinente – que os maiores compositores e artistas do mundo, não escreviam nem liam música. E muitos deles não executavam instrumentos. Era tudo por intuição. Por conseguinte, vamos acreditar nesta intuição, neste valor, que eu cultivo. Eu próprio não sei explicar como é que “me acontece” uma música! Vem o refrão e começo imediatamente a criar.

    Normalmente é dado a um intelectual dizer que faz poesia. Esquecem-se dos letristas das músicas, que são poemas de parte inteira. Por conseguinte aí é preciso não termos complexos. Se há coisa que eu afastei, são os complexos.

    P – Como é que podemos entender a sua carreira, depois do lançamento do álbum Angola 72?

    B – Nesta altura ninguém pensa que o Bonga vai ser artista, –  nem mesmo eu. O certo é que foi o Angola 72, que despoletou tudo e me catapultou para os palcos do mundo. E daí nunca mais parei.

    Este disco foi essencialmente político e de informação. Depois daí, tive de continuar a carreira porque houve incentivos. Apareceu muita gente – nacionais e estrangeiros – a encorajar, dizendo-me que você tem uma linda voz. “Essa voz rouca aí, cuidado”…

    P – Como é que deu os primeiros passos para a gravação? Haverá algum segredos por detrás disso?

    B – Não há segredo nenhum. Os primeiros passos são dados porque alguém proporciona as aberturas para as gravações; os espectáculos vão surgindo, os contactos, etc. etc.

    P – Portanto, isso foi com músicos estrangeiros?

    B – Foi com os meus amigos, que tocavam instrumentos. O Sebastião Rocha do Prado, o Humberto Bettencourt e o angolano Mário Rui Silva.

    P – Afinal são quase quatro décadas de canções de diversas índoles que marcam etapas de uma bem sucedida carreira artística. Como resiste ao ambiente pouco receptivo da música africana, como é o europeu?

    B – Damos neles, como dizem os outros. Damos-lhes música! Efectivamente foi um pouco complicado no princípio, mas o que é certo é que é lá onde trabalhamos. É de lá que nós vivemos. Estou a falar de mim, profissional com 38 anos de carreira profissional. Vivo essencialmente da música. Não faço outra coisa. Com isso quero dizer que é lá na Europa, que eu trabalho…

    Agora pergunto aos artistas que estão cá na terra: onde é que estão os locais de trabalho para assumir os profissionais?

    Para venderem os seus discos nas lojas, com impacto, e, sobretudo para terem as casas, as boites, os cabarets, as salas de concerto? As salas de concertos são necessárias. E é lá no estrangeiro que nós – mesmo com o preconceito, com o racismo se quisermos, e com algumas portas fechadas, conseguimos abrir essas portas – impormo-nos, como o fizeram nomes da estirpe de Manu Dibango, Salif Keita, Cesária Évora, da Miriam Makeba – eu também estava lá – , faço parte desta plêiade de artistas que vingou no mundo da música!

    P – Há artistas de vários países que interpretaram temas seus. Entre eles o Martinho da Vila, Alcione, Elza Soares e Mariza Monte e os Vaya con Dios e o guitarrista chileno Fernando Gonzalez. Não quer fazer um retrato de todo este aproveitamento da sua obra?

    B – Isso é bom! É salutar. Valoriza o nosso esforço. Eu louvo isso e estou disponível para dar outros contributos. Isso representa mais valia para a nossa obra, e automaticamente serve para catapultar Angola para outros patamares.

    P – Sente-se recompensado por isso?

    B –  Tremendamente. Pela amizade que fica, pelo conhecimento, pelo relacionamento artístico e cultural, etc.

    P – E isso tem-no ajudado nos seus espectáculos?

    B – Claro, os contactos, os convites, isso é bom, as portas que se abrem.

    P – E qual é o país do mundo, que o marcou em termos artísticos?

    B – Eu acho que foi a França, especificamente, Paris. A França tem esse privilégio, de relacionamento com a francofonia (os livros que saem de França, os quadros de  artes plásticas, que se vendem, os discos, a música que se faz aí, as actividades artísticas em todo o território francês, isso é óptimo. É a França, aliás que reedita uma data de discos do Bonga).

    P – Já que falou de França e de Paris, nomeadamente, há uma canção africana muito conhecida que interpretou com Manu Dibango, que dizem ser das melhores conseguidas até hoje. O Yarabi ouve-se pouco na Lusofonia. Já pensou integrá-la num dos seus trabalhos pessoais?

    B – Não sei! Talvez porque o produtor ainda não se tivesse interessado. A “gente” quando tem uma casa de discos, tem contratos assinados. Há toda uma engrenagem a levar a cabo… Essa como outras músicas – para filmes por exemplo -, foram feitas especificamente e ainda não constam em colectâneas!

    Bonga Kwenda, uma voz e um nome forte da música angolana!

    DIAS DOS SANTOS

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