O ministro da Administração do Território e Reforma do Estado, Adão de Almeida, admite que as eleições autárquicas, que Angola prevê realizar, pela primeira vez, em 2020, são um processo complexo, que devem ser bem preparadas, porque as pessoas em ambiente rural têm muitos receios da realidade autárquica, escreve o JA.
O ministro angolano Adão de Almeida ainda não tem 40 anos e já está a ajudar a fazer uma revolução em Angola. É o líder, no Ministério da Administração do Território e Reforma do Estado, da mudança do poder local com vista ao estabelecimento de autarquias. Pela primeira vez, vai haver poder regional eleito em Angola – até agora gerida através do Estado central.
Nesta entrevista, o ministro explica os desafios e como esta mudança está a alterar a política, o desenvolvimento e a democracia. Especialista em Direito, Adão de Almeida chegou à política com longa tradição da sua família – onde constam nomes importantes do histórico MPLA, como a activista Deolinda Rodrigues e o ex-vice presidente do partido Roberto de Almeida, seus tios que tomaram conta dele depois da morte do pai, por razões políticas. O governante esteve em Lisboa no âmbito de um acordo de cooperação assinado durante a visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola.
Vai haver autarquias em Angola. Isto é uma outra revolução?
É uma reforma estruturante. Nós somos independentes há quase 44 anos e há dois factores que determinaram, ao longo do nosso percurso, muito do que somos hoje. O primeiro é a opção político-ideológica que fizemos na independência – um Estado de direcção centralizada da economia, socializante.
Era a opção ideológica, o que, tradicionalmente, movimenta no sentido da concentração e centralização de poderes. Por outro lado, nós nascemos e crescemos em conflito militar. Tendencialmente, em momentos de conflito, o controlo e o comando também se centralizam. A acrescentar a isso temos o facto de muitas das nossas instituições da administração local – o que nós hoje chamamos administração municipal – não se poderem instalar durante o período do conflito militar. Portanto, no fundo, as nossas opções ideológicas e a nossa circunstância determinaram que tivéssemos nascido e crescido como um Estado com uma forte tendência centralizadora.
É isso que vai mudar…
Desde que assumimos a paz, o país assumiu um conjunto de objectivos relevantes: a reconstrução nacional, a reconciliação nacional, a vida democrática, começando pelas instituições de âmbito nacional, e a própria conclusão da transição constitucional. No plano da arrumação da vida democrática, realizámos já vários actos eleitorais. Normalizada no plano nacional, as eleições em 2008, 2012 e em 2017, é chegado o momento de passar ao nível local.
Porquê só agora?
A História que eu acabei de lhe contar permite facilmente compreender a razão do momento em que nos encontramos e o facto de ser esse o momento adequado para fazer essa transição. Não era possível fazer tudo ao mesmo tempo. Agora sim, achamos que temos as condições necessárias para dar o passo seguinte e aí entra a grande reforma.
Ela não se confina na realização de um acto eleitoral, não é isso que nós desejamos. Ambicionamos mesmo a institucionalização de um poder local forte, diminuir a intervenção do Estado central. Estamos todos convencidos de que há tarefas que são mais eficientes quando levadas a cabo por quem está próximo das populações. Essa transformação de um Estado fortemente centralizador para um Estado descentralizado é uma transição que tem de ser feita com cautela, com rigor, porque só assim vamos conseguir produzir os resultados esperados.
Fazer isto neste país que descreveu há pouco é complexo. Tira-lhe o sono?
Tudo isso me motiva para acordar todos os dias e dar o máximo, com uma forte equipa que é liderada pelo Presidente da República. Este é um dos eixos fundamentais do seu mandato.
Em que ponto é que estão agora? O que é que já foi feito e o que é que vão fazer?
A estratégia que o Governo aprovou sobre essa matéria define três fases principais. Uma primeira, que é a fase em que nos encontramos, a fase preparatória, com o reforço da desconcentração administrativa, que, numa palavra, se resume a começar já a retirar competências da administração central e colocá-las na administração local – claro que num quadro em que ainda não há autonomia local -, começar já a fazer com que os nossos municípios façam mais do que faziam até há pouco. Aí, há medidas também no domínio financeiro para fazer com que eles tenham um desempenho maior.
Mas, por enquanto, ainda nem sequer existem os municípios, certo?
Vai chegar esse momento; não estamos lá ainda, mas a primeira fase integra também essa tarefa. Agora vamos aprovar no Parlamento nove propostas de leis que vão reger todo este processo. Uma delas tem que ver com a institucionalização das autarquias e que propõe um conjunto de critérios que vão presidir ao processo de selecção dos municípios. Isto tem um pressuposto muito importante, que é a opção constitucional que foi feita em 2010. Duas das cinco forças políticas que estavam na altura no Parlamento, o MPLA e a UNITA, apresentaram a implementação gradual das autarquias.
A constituição, por força dessa orientação, optou por fazer isso de modo faseado.
Como?
Um primeiro momento, que é uma espécie de experiência-piloto, em que são seleccionados alguns municípios e neles se faz essa experimentação e, depois, o alargamento gradual, até chegarmos a todo o território nacional. Essa proposta de lei pretende definir critérios. Para que consigamos ter um exercício experimental nos mais diferentes municípios, quer os municípios mais populosos quer os menos populosos, de interior, do litoral, de fronteira, com mais capacidade de arrecadação e receita, quer os com menos capacidade de arrecadação e receita.
Ou seja, vão fazer uma espécie de panorama?
Exactamente, para que essa experiência inicial nos permita verificar a dinâmica.
Mas vai haver eleições reais em 2020?
Naturalmente, naturalmente. Temos é de trabalhar e criar as condições para isso. Como eu dizia, depois dessa fase em que vamos entrar agora, o Parlamento selecciona então os municípios. Isso vai definir o conjunto de tarefas que vamos desenvolver nos mais variados municípios, para criar então as condições finais para a autonomia que eles vão receber.
Vamos ter de reforçar os municípios com quadros e capacitar. No mês de Abril teremos um plano de formação de quadros da administração local. No domínio das infra-estruturas administrativas dos municípios, onde também temos fragilidades consideráveis. E reformas do nosso sistema financeiro, do sistema fiscal, do sistema orçamental, para preparar os municípios para essa realidade.
O que está a descrever é, de facto, uma revolução…
É uma reforma profunda, talvez prefira essa expressão que é um pouco mais suave. Eu permito-me fazer um breve parêntesis para dizer que a construção desse processo deve também prosseguir um outro objectivo fundamental, que é a construção da unidade nacional. Nós temos de ter a cautela necessária para que a criação do poder local não seja um elemento que jogue contra o processo de construção da nação e da unidade nacional.
O poder e a democracia andam de mãos dadas. Vai haver mais poderes, poderes diferentes. Que poderes terão as autarquias?
Começámos um processo de transferência de competências, que vão desde o domínio da educação – e temos já os municípios a trabalhar no pré-escolar e primário – à construção e reabilitação de escolas, gestão dos equipamentos de educação e na saúde – postos de saúde e centros de saúde.
Nalguns casos, até com alguma intervenção no domínio da aquisição de medicamentos. Estamos agora a falar também da reparação de estradas secundárias e terciárias. No comércio – licenciamento, publicidade, gestão de um conjunto de equipamentos urbanos, desde cemitérios a espaços verdes. Portanto, estamos a ensaiar já um conjunto de acções que vão ser importantes mais adiante. Quando chegarmos a 2020 vai ser uma espécie de consolidação dessas acções, garantindo sempre, e esse é um desafio importante, coordenação institucional entre tarefas da administração central e tarefas da administração local.
Tem falado de construir um modelo angolano autárquico.
Construir um modelo angolano é incontornável. O que é que isso quer dizer exactamente?
Temos um conjunto de especificidades e de particularidades que não podem ser ignoradas na construção do processo. Vou elencar algumas: o “status quo”, isto é, o momento em que nos encontramos. Fizemos, durante o ano de 2018, a actualização do nosso diagnóstico municipal que nos dá uma fotografia do que são os nossos municípios dos mais diferentes pontos de vista – recursos humanos, equipamentos sociais, ter ou não agências bancárias, ter ou não um serviço da administração fiscal. Esse levantamento está feito e hoje sabemos qual é o ponto de partida.
Esse diagnóstico mostra que há muitas falhas básicas?
Mostra-nos que os municípios são diferentes e isso não é novidade. E mostra-nos sobretudo onde é que temos mais fragilidades e onde é que temos de trabalhar mais para que a solução de autonomia funcione. Mas outros aspectos importantes são relevantes nessa construção do modelo angolano, um deles é o papel das autoridades tradicionais – o poder tradicional – e aqui com uma particularidade à partida: o nosso conceito constitucional de poder local é um conceito com uma tripla vertente, envolve autarquias locais, o poder tradicional e o que a Constituição designa por outras formas de participação, como comissões de moradores. Portanto, o desafio é, sobretudo, porque eles convivem no mesmo espaço territorial, encontrar uma solução que permita a convivência de um modo saudável entre poder autárquico e poder tradicional.
Também não há muitas experiências neste domínio…
Exactamente. Fizemos um amplo processo de auscultação pública dos cidadãos, bastante abrangente, bastante participada; os relatórios estão hoje publicados e nós pudemos medir a sensibilidade das pessoas nos mais diferentes grupos. Um deles influenciou muito a decisão intermédia, que é fazer com que uma representação das autoridades tradicionais seja parte da assembleia municipal.
Vai integrar membros eleitos directamente pelos cidadãos e uma representatividade das autoridades tradicionais designada pelas próprias. Esta é uma solução angolana.
Outro aspecto importante que sentimos na auscultação é o aspecto da novidade, isto é uma coisa muito nova para as pessoas; vamos ter de fazer um trabalho profundo de explicação, de formação das mentalidades. Esperamos que, após a aprovação da proposta de base, iniciemos esse trabalho. Mas sentimos, por exemplo, muitos receios da parte de cidadãos, sobretudo à medida que vamos saindo dos meios urbanos. Tipicamente, as pessoas em ambiente rural têm muitos receios da realidade autárquica.
Do que podemos sentir, os receios andam muito fundados em experiências que, sobretudo, os mais velhos terão vivido no período colonial e essencialmente ligados à dimensão tributária, a dimensão da contribuição do cidadão para a autonomia do seu município. Portanto, é um domínio importante que carece de estudo e de adopção de soluções correctas, sob pena de, depois, ao nível local, serem encontradas algumas fragilidades por força dessa compreensão. Temos noção de que este é um processo complexo, que envolve uma mudança profunda. Não sabemos tudo e queremos conhecer os percursos dos outros – e os erros.
Haver uma fragmentação do poder significa que vão surgir novos líderes, que vai ser uma rampa de lançamento para líderes locais e regionais, dentro do partido, fora do partido. A democracia angolana está madura para acolher esta mudança?
Eu creio que sim. A experiência que temos das eleições nacionais demonstrou já alguma solidez bastante apreciável da nossa democracia. Claro que isso é um estágio diferente do aprofundamento, mas os sinais que temos à nossa disposição são optimistas quanto a este domínio. É uma realidade nova. Aliás, já sentimos iniciativas importantes de participação. Hoje não temos o processo sequer montado, mas já há nas comunidades gente que se apresenta como futuro candidato.
Qual é o título, é presidente da câmara?
Sim, o que consta da proposta de lei é presidente da câmara.
Esteve uma semana em Portugal, o que veio apreender – erros a não fazer, lições históricas no poder local?
Três ou quatro aspectos essenciais. O primeiro deles é tirar do papel um acordo recentemente celebrado, aquando da visita do Presidente da República Portuguesa a Angola. O segundo aspecto é: nós temos noção de que este é um processo complexo, que envolve uma mudança profunda, e embora estejamos muito empenhados, muito determinados a dar o nosso máximo, temos consciência de que não sabemos tudo e de que conhecer os percursos dos outros – e os erros -, por muito diferentes que sejam os percursos, pode ser útil para a construção do nosso processo.
Porquê não aproveitar essa dimensão?
É o que vimos fazer, para além de abrir espaço para futuras acções de cooperação noutros domínios, que passarão muito pela disponibilização de quadros para processos de formação. Bem como para que nós possamos, eventualmente, ter quadros dos nossos municípios a trabalhar com os municípios, as câmaras, em Portugal, em domínios que nós consideramos sensíveis e que vão ser autênticas revoluções na vida dos nossos munícipes.
O que estamos a fazer com Portugal faz parte de um plano que passa pelo conhecimento de várias realidades diferentes. Já tivemos trabalhos com a República do Rwanda e com Cabo Verde.
Em Portugal, uma das questões que se coloca sempre ao nível do poder local e das autarquias é um tema que é caro a esta administração angolana neste momento, que é a corrupção.
Quando se dissemina poderes e capacidade de decisão, dissemina-se também a possibilidade de haver mais corrupção. Existe alguma preocupação vossa neste sentido?
Naturalmente. A problemática do combate à corrupção é um aspecto relevante da actual governação em Angola e ela deve estar presente nos mais diferentes projectos e programas que nós tenhamos que implementar durante o mandato e não só. O que nós pensamos é que o processo de implementação das autarquias não deve estar desalinhado de todo esforço que tem estado a ser feito para reduzir a níveis residuais e insusceptíveis de pôr em causa o normal funcionamento do Estado no domínio do combate à corrupção.
Até que ponto é que Portugal pode ajudar e aproveitar deste momento de construção do poder local em Angola?
As relações entre Angola e Portugal são hoje relações de excelência nos mais diferentes domínios e creio que só há a ganhar na perspectiva do relacionamento recíproco, quer a favor de Portugal, quer a favor de Angola. Nós pensamos que há aqui também um espaço relevante de cooperação que pode ser bastante útil para nós e acredito que pode ser igualmente útil para Portugal. É isso que também nos move na nossa presença aqui, neste momento, tendo todo o apoio e toda a colaboração das diferentes instituições portuguesas com as quais temos estado a trabalhar.
Sendo novo, sendo um ministro novo, e alguém que é apontada por várias entidades como uma grande esperança da política angolana, sente que este pode ser o seu papel fundamental na construção desse novo país?
(Risos) Está a dizer-me uma novidade. Não, não. Animam-nos muitos factores, o principal dentre eles talvez seja o sentir que estamos num momento de viragem que é relevante e que pode ser decisivo para o nosso presente e para o nosso futuro. Anima-nos o facto de sentirmos que há, da parte das mais altas instâncias angolanas, nomeadamente o Senhor Presidente da República, um desejo e uma vontade incansáveis de trabalhar para fazermos mais pelo nosso país e mais pelo nosso povo e é isso que nos move.
O que nós temos transmitido a todos os nossos colaboradores é essencialmente esta mensagem: estamos numa missão, num momento difícil, mas temos a obrigação não só de transmitir esperança para o presente, mas de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para que quem seja o beneficiário do nosso trabalho sinta o resultado positivo da nossa acção. Alguns resultados não chegam hoje, mas para que eles cheguem precisamos de tomar as medidas correctas hoje e empenharmo-nos em direcção a esses grandes objectivos nos quais nós acreditamos.
Como é que responde às críticas da oposição e de algumas áreas, de que o Governo provavelmente irá escolher as autarquias que sejam mais influenciáveis para as eleições legislativas dois anos depois?
Há comentários de alguns partidos políticos da oposição sobre isso como um elemento para fundamentar a não implementação gradual das autarquias.
Para ser tudo ao mesmo tempo?
Sim. Do nosso ponto de vista, é infundado. É, digamos, uma suspeição política para fundamentar uma opção política. Quem faz a opção pelos municípios é o Parlamento, não é o Governo, não é nenhum partido, é o Parlamento que deve encontrar lá dentro os mecanismos adequados para fazer a selecção dos municípios. Por outro lado, essa crítica também não tem sustentação noutro domínio. Vou dar um exemplo simples, mais na perspectiva de análise de resultados eleitorais: Angola tem 164 municípios, o único referencial que nós temos de resultados é de eleições nacionais, e podemos verificar qual é a preponderância de cada uma das forças políticas nos municípios.
O partido do Governo em Angola, tomando por referência as últimas eleições, não ganhou em seis municípios dos 164; ganhou eleições em 158 dos 164 municípios. Portanto, não há razão para esse receio no processo de selecção dos municípios. Mas o mais importante, e é isso que nós gostávamos sempre de reiterar, há domínios de intervenção na vida pública em que o fundamento exclusivamente partidário não se pode sobrepor às opções nacionais e não há muitas dúvidas de que a profundidade da transformação que nós queremos fazer e a nossa grande inexperiência nesse capítulo nos aconselha cautela.
Diz-se, de várias formas e por vários ditos populares, que “devagar se vai ao longe”. Portanto, “cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém”. É um pouco isso que nos inspira: a vontade não apenas de fazer alguma coisa, mas a vontade de fazer bem alguma coisa, num momento e para um povo que bem precisa de coisas bem feitas.
Falou de coesão nacional e eu falo também de desenvolvimento regional. Do ponto de vista da economia real e da vida das pessoas, onde é que acha que as autarquias vão ter mais influência?
É um desafio muito importante. Aliás, infelizmente pouco referido no quadro dos nossos principais debates políticos, porque tem de estar sobre a mesa, entre muitos, o assunto das desigualdades e a necessidade de nós termos uma agenda de correcção dessas desigualdades. É uma agenda seguramente de médio a longo prazo, é uma agenda que requer um conjunto de medidas – provavelmente a implementação de autarquias será uma delas.
Alguns exemplos daquilo que consideramos relevante: em primeiro lugar, os grandes investimentos nacionais, cruciais para levarmos o desenvolvimento para certas localidades – estradas nacionais, ligação entre as várias províncias e municípios, energia eléctrica, nalguns casos mediante grandes projectos de construção de barragens, de transporte de energia para certas localidades, bem como investimento em tarefas típicas de ambiente rural, onde há menos população e onde se sentem mais as dificuldades, nomeadamente no domínio da agricultura.
Estes sectores são estruturantes para que consigamos criar condições mínimas para que, em qualquer parte do território nacional, cada cidadão se sinta capaz de realizar o seu sonho. E esse é um objectivo fundamental. Nós achamos que, neste processo de institucionalização das autarquias locais, não devemos perder de vista a necessidade de ele ser acompanhado de várias medidas, para que, uma vez institucionalizadas as autarquias, elas não sejam um elemento ainda mais fomentador de desigualdades. Porque vários municípios podem estar numa competição desigual, se nós não formos capazes de introduzir dinâmicas com vista à correcção de desequilíbrios e isso o Estado pode fazer.
A política não era exactamente a sua vocação de juventude. O que é que mudou e como é que hoje vê essa forma de honrar a tradição da sua família ?
É muito difícil; não há assim um momento em que fazemos uma transição, acho que é fruto de um processo. A vida, o desenvolvimento da vida, foi-nos chamando para diferentes desafios e estes, aos poucos, colocaram sobre nós responsabilidades e sentimentos e alguns deles motivaram paixões. Portanto, sinto-me bem fazendo o que faço. Gosto do que faço e, cada vez mais, sou apaixonado por sentir que, com o pouco que eu faço, posso ajudar a fazer um país melhor.
Quando pensa nisso acha que “está a cumprir os sonhos que eles tiveram”?
Os nossos sonhos são comuns e são nacionais. A História de Angola está cheia de exemplos desses em muitas famílias e acho que, mais do que sonho de familiares directos, há um sonho nacional que vem das gerações mais antigas que nos deixaram num lugar difícil, na medida em que são gerações que deram tudo o que tinham, inclusive a própria vida, para nos deixar num lugar a que nós pudéssemos dar continuidade. Acho que é essa a nossa obrigação histórica e geracional, pegar nesse legado e levá-lo ao sítio mais distante e mais positivo possível, para um dia também o transmitirmos a outras gerações e, nessa altura, podermos sair de cabeça erguida e com a consciência da missão cumprida.