António Luís Sango tinha como nome de guerra “Lembrança”. Nasceu na aldeia de Cochiloango, município de Cacongo. Entrou para a FLEC em 8 de Fevereiro de 1977. É enfermeiro de profissão. Foi vice-ministro da Saúde da FLEC e viveu grande parte da sua vida junto dos guerrilheiros. Em Agosto de 2011 trocou a guerra pela paz. Como membro da direcção da FLEC participou em reuniões importantes com os “intelectuais” da cidade. E conta com pormenores uma reunião onde os “mpalabandistas” encomendaram a morte de inocentes. Um relato arrepiante!
Jornal de Angola – A paz em Cabinda é para durar?
António Luís Sango – Se os intelectuais que vivem na cidade de Cabinda quiserem, vamos ter paz para sempre. O problema é que muitos deles, só pensam no mal e querem a guerra, custe o que custar. Estão tão cegos que ainda não perceberam que os homens armados da FLEC são poucos e quase todos velhos. Há muito que a juventude rejeita a guerra. A Paz do Luena, em 2002, provou a todos que o diálogo tem mais força que as armas. Os jovens perceberam isso melhor que ninguém.
JA – O que tem contra aqueles a que chama intelectuais da cidade de Cabinda?
ALS – Eu não tenho nada contra ninguém. Mas eles têm contra mim e todos os que andavam nas matas. Quando chegou a hora de assinar o cessar-fogo eles opuseram-se e usaram argumentos ofensivos. Diziam que nós somos analfabetos, não sabemos falar e muito menos negociar. Eles é que têm de decidir. Foi assim que provocaram as grandes cisões na FLEC. Todos os que querem negociar com o Executivo na base da autonomia, eles põem-lhes logo o rótulo de traidores. Nós a sofrer nas matas e eles à boa vida na cidade e nós é que somos os traidores. Alguns são funcionários do Estado.
JA – Viveu muitos anos nas matas, como conheceu os intelectuais da cidade?
ALS – Em Agosto de 2009 saí das matas do Maiombe e fui para Ponta Negra. Como era vice-ministro e da direcção da FLEC participei em muitas reuniões com eles. Nunca me caiu bem a sua arrogância. E muito menos a facilidade com que eles falavam em matar civis. Em 13 de Agosto de 2009 participei numa reunião, no Hotel Makoka, em Ponta Negra, com Ivo Macaia e o senhor Capita, que trabalhava na clínica da Chevron em Cabinda. Eles insistiam que era preciso fazer operações militares porque havia muito silêncio à volta da FLEC. Eu sabia que nas matas as coisas estavam muito mal e ninguém queria combater. Mas Gabriel Augusto Nhemba “Pirilampo” acabou por se comprometer com operações militares.
JA – Qual foi a sua posição sobre o recomeço das operações militares?
ALS – Informei-os sobre a péssima situação dos combatentes nas matas. Eles no fim da reunião distribuíram cinco mil kwanzas, cerca de 20.000 francos CFA, por mim, pelo Rafael Mabiala “Pacífico”, e pelo Félix Ngonda Puati, comandante da região militar de Cacongo. Voltamos a encontrar-nos em casa do “Pirilampo” no bairro Songololo. Voltámos a reunir com o senhor Capita e o Ivo Macaia, no Hotel Makoka. Conhecemo-nos muito bem. Em 2010 aconteceu aquela loucura do ataque à delegação desportiva do Togo e aos jornalistas que a acompanhavam. Os intelectuais queriam sangue. Quando se aperceberam das negociações do presidente Alexandre Tati com o governo, foram imediatamente a Ponta Negra sabotar a paz.
JA – Eles explicam porque defendem a guerra na província de Cabinda?
ALS – Dizem que a autonomia é uma traição e é preciso fazer a guerra pela independência. Consideram-se muito inteligentes mas não evoluíram nada. Nem sequer percebem que já não existem condições para fazer a guerra. Faltam armas e faltam combatentes. Já ninguém adere à FLEC para combater de armas na mão. Só se forem eles para o combate, o que eu duvido. Não vão deixar os seus bons empregos e negócios em Cabinda para se meterem na Mata Grande.
JA – Houve discordâncias quanto ao ataque à caravana desportiva do Togo?
ALS – Houve muitas discordâncias e para mim foi a maior derrota que a FLEC sofreu. Internacionalmente todos repudiaram aquela loucura. E internamente houve um grande repúdio, mesmo dos combatentes mais antigos. Mas em 2010 aconteceram mais erros e que são da responsabilidade dos mplabandistas. Por exemplo, o assassinato do senhor Olímpio Pongo.
JA – Pode explicar exactamente o que aconteceu?
ALS – No mês de Outubro de 2010 o senhor Capita foi a Ponta Negra e entregou dinheiro ao “Pirilampo” para ele atacar os trabalhadores civis da empresa PGP, que fazia prospecções para a Sonangol. Em 8 de Novembro o grupo do “Pirilampo” atacou uma viatura da empresa, na área de Tando Colombo. Morreu o tenente Valentim e o motorista, senhor Olímpio Pongo. Foi uma tremenda tragédia, porque Olímpio Pongo era primo do senhor Capita, o homem que deu o dinheiro para a operação. Na guerra, matar o inimigo, é relativamente indiferente. Mas atacar uma viatura civil, ao serviço de uma empresa civil e matar um primo, não é assim tão indiferente. O primo do senhor Capita era um civil. Não tinha que morrer naquela estúpida operação.
JA – Foi um caso isolado?
ALS – Infelizmente, não. Os mpalabandistas só querem a guerra. Em Dezembro de 2010, o professor Belchior Lanzo Tarti, mal saiu da cadeia, foi ter connosco a Ponta Negra. Marcámos uma reunião para o Hotel Makoka e estiveram presentes mais de 50 membros da FLEC. Queríamos saber o que lhe aconteceu. O Belchior disse ao “Pirilampo” que era necessário quebrar o silêncio que pesava sobre a FLEC e realizar acções contra pessoas isoladas, de raça branca, de preferência portugueses. Os itinerários escolhidos foram Dinge-Inhuca-Buco Zau e Bitchequete-Massabi.
JA – Foi feita alguma acção?
ALS – Foram feitas acções, mas nenhuma contra civis. O dinheiro entregue pelo professor Belchior serviu para uma grande operação contra as FAA, na aldeia de Vito Novo, na qual morreram cinco militares, entre os quais um coronel e um major.
JA – Os padres Tati e Congo também participavam nas reuniões da FLEC?
ALS – Nunca tive qualquer reunião com eles. Apenas reuni com o professor Belchior, o Ivo Macaia e o senhor Capita. Estes eram os representantes dos intelectuais da cidade. Que eu saiba, os padres nunca apareceram em Ponta Negra. E ainda bem. Não gostava de ver sacerdotes da minha Igreja a encomendar assassinatos e acções de terror.
JA – O comandante “Pirilampo” obedecia às ordens dos intelectuais da cidade?
ALS – Infelizmente para ele, sim. O professor Belchior dava instruções para tirar os combatentes de umas bases para outras e o “Pirilampo” aceitava. O comandante Batalha foi transferido com a sua gente, numa carrinha de caixa aberta, alugada em Cabinda pelo professor e enviada durante a noite para a sua base. Penso que foram para a Mata Grande, guiados pelo João Massanga “Homem de Guerra” que conhecia a palmo toda a região. Mas o “Pirilampo” teve um fim triste. O seu quartel-general foi tomado de assalto pelas FAA no dia 1 de Abril de 2011 e ele acabou por morrer em combate um mês depois. Os intelectuais dizem que os analfabetos das matas não têm nada que negociar com o governo porque eles é que sabem. Mas se a FLEC hoje não tem um único homem a combater em Cabinda é muito por culpa deles, que não sabem nada da arte militar.
JA – Alexandre Tati é a favor da guerra?
ALS – O presidente decretou o cessar-fogo unilateral e penso que não volta para a guerra. Os que querem a guerra são os que ficaram com Nzita Tiago. O Stephane Barros está em Lisboa, penso que tem documentos portugueses e é protegido pelo Governo Português. É um radical que só pensa em guerra. Vejam bem. O professor Belchior quer nas estradas de Cabinda acções contra civis brancos, de preferência portugueses. O Stephane Barros defende a mesma linha. E vive em Lisboa sob a protecção do Governo Português, que anda a mandar trabalhadores portugueses para Angola onde a ala dos intelectuais da FLEC os quer matar. Angola com amigos destes, não precisa de inimigos. A FLEC do Nzita Tiago em Lisboa tem todo o apoio do mundo.
JA – Essas facilidades não são mais em Paris?
ALS – Paris e Lisboa são a mesma coisa. O Mingas é cidadão francês e trabalha para uma empresa pública francesa. Foi preso por estar implicado naquela loucura do ataque à equipa de futebol do Togo. Um dia destes foi libertado porque diz que nada teve a ver com a operação, nem sequer participou na preparação da acção. Se o tribunal francês quiser, arranjo-lhe várias testemunhas que provam o contrário. Ele esteve pessoalmente no terreno a preparar o ataque. As autoridades francesas sabem que é assim, mas não querem assumir que um seu cidadão nacional cometeu um acto terrorista contra desportistas e jornalistas em território angolano.
JA – Qual é a sua actividade profissional actual?
ALS – Com a graça de Deus vivo em paz e estou a fazer um estágio profissional. Depois vou trabalhar num hospital público. A reconstrução nacional espera por mim e eu tenho a obrigação de dar o máximo. Perdi muito tempo com pessoas que só querem matar e destruir.