Entre os responsáveis citados consta o General Manuel Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar do Presidente da República, de quem é muito próximo. Também são citados três ex-Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA): General António dos Santos França Ndalu, General João de Matos e General Armando da Cruz Neto.
A queixa-crime foi apresentada ao Procurador-Geral da República pelo investigador independente Rafael Marques de Morais, a 14 de Novembro de 2011. Desde 2004, o autor da queixa tem investigado abusos contra os direitos humanos ligados à indústria diamantífera. Na sua comunicação ao Procurador-Geral da República (João Maria de Sousa), Marques indicou testemunhos que implicam o consórcio Sociedade Mineira do Cuango (SMC) em actos de tortura e assassinatos contra as populações locais e contra garimpeiros.
Os testemunhos apresentados também implicam a empresa privada de segurança Teleservice e os seus agentes como executores dos actos de tortura e homicídio, que constituem crimes contra a humanidade à luz da Constituição angolana.
Os indivíduos citados no caso são sócios da empresa mineira angolana Lumanhe e são directores da operadora ITM-Mining, registada nas Bermudas, que juntas formam o consórcio da SMC, em parceria com a empresa pública Endiama. Os co-proprietários da Teleservice, a maioria dos quais também detém interesses na Lumanhe, também são citados na queixa pela autoria moral dos crimes denunciados.
A Procuradoria-Geral da República notificou dez testemunhas, cujos nomes foram avançados por Marques de Morais, para prestarem os primeiros depoimentos. Todos são residentes da província da Lunda-Norte e são vítimas de tortura ou testemunhas da execução de tais abusos.
“É extremamente encorajadora a decisão do Procurador-Geral em recolher os depoimentos das vítimas e testemunhas, e esperamos que continue a dedicar ao caso, a séria atenção que merece”, disse Marques.
“Até ao momento, a justiça angolana tem servido, de modo geral, para a protecção dos interesses dos ricos e poderosos. Por isso regozijo-me com o facto de o Procurador-Geral da República estar a actuar com a independência que o seu cargo exige na investigação de um caso que implica alguns dos indivíduos mais influentes de Angola”.
“A legislação nacional e os vários tratados internacionais ratificados por Angola conferem um base sólida para a acção judicial contra os violadores dos direitos humanos. O julgamento deste caso poderá ser uma vitória para o povo angolano e enviar uma mensagem poderosa segundo a qual, em Angola, ninguém está acima da lei”, acrescentou Marques de Morais.
As províncias nordestinas da Lunda-Norte e Lunda-Sul constituem as áreas diamantíferas mais ricas de Angola e foram violentamente contestadas durante a guerra civil. Nos anos 90, os diamantes provenientes das Lundas eram uma importante fonte de receitas para o movimento rebelde da UNITA.
Com o fim da guerra, em 2002, o governo tem distribuído concessões diamantíferas a empresas privadas pertencentes à alta hierarquia militar e outras individualidades privilegiadas do regime. As concessionárias são autorizadas a exercer o controlo arbitrário de todas as actividades económicas, incluíndo a circulação de pessoas e bens, nas áreas sob seu controlo. Esta prática tem destruído a capacidade de subsistência das comunidades locais, quer pela via do garimpo quer através da agricultura, sem que para o efeito lhes sejam proporcionadas outras alternativas.
Muitos dos mesmos generais que tem participação societária nas concessões diamantíferas, também criaram empresas de segurança para manter as comunidades locais fora das áreas de concessão. Essas empresas têm gozado de total impunidade enquanto os seus representantes praticam, como rotina, actos de tortura, prisões arbitrárias e, em vários casos, homicídios de membros das comunidades locais. Uma dessas empresas é a Telervice, cujos sócios são citados no caso.
O escrutínio internacional à problemática dos “diamantes de sangue”, durante os anos 90, originou a criação de um esquema de certificação de diamantes, conhecido como o Processo de Kimberley, com o propósito de impedir a circulação, no mercado internacional, de diamantes extraídos de zonas de conflito e assegurar o cumprimento de normas éticas. Mas o investigador tem denunciado a ineficácia do Processo de Kimberley em Angola, onde os abusos continuam, dez anos depois do fim da guerra.
“De acordo com o Processo de Kimberley, o estado-membro tem a responsabilidade de certificar que os diamantes extraídos no seu território nacional cumprem com os padrões éticos estabelecidos,” disse Marques.
“Em Angola, o Processo de Kimberley é inútil, uma vez que altos membros do governo são cúmplices em alguns dos piores casos de abuso contra os direitos humanos associados à indústria diamantífera: a destruição da agricultura de subsistência, bem como a tortura e o homicídio.”
O dossier completo dos abusos recolhidos por Marques e seus colegas, na região das Lundas, foi publicado em Portugal, no ano passado, sob o título Diamantes de Sangue: Tortura e Corrupção em Angola. O livro é parte dos documentos submetidos à Procuradoria-Geral da República.
Fonte: MakAngola