As ruas de Luanda continuam repletas de vendedores ambulantes. Um cenário que o governo provincial pretende mudar. Uma série de obras para a construção de mercados municipais está a ser levada a cabo. No bairro da Cuca já é visível um novo ambiente.
A medida é para levar a sério. O Governo da Província de Luanda quer varrer o comércio de rua e já começou a construir novos mercados para acomodar os vendedores ambulantes que fazem da via pública o seu ganha-pão, garantiu o reconduzido governador, Joaquim Bento Bento. O governante, que falava à imprensa no Palácio Presidencial, na Cidade Alta, após a cerimónia de tomada de posse dos novos governadores, afirmou que “existem pessoas que têm estado a sair dos bairros para estender o comércio às ruas de Luanda”.
“Sem tirar o pão das pessoas”, o governador de Luanda prometeu dialogar com os zungueiros e zungueiras, “no sentido de estes continuarem a fazer o seu trabalho, mas sem obstrução das ruas e estradas”. Bento Bento reconheceu também existirem situações que têm estado a contemplar “silenciosamente” a venda ambulante, por intermédio de algumas administrações e pela própria fiscalização, prometendo, no entanto, disciplinar os seus colaboradores, nos próximos tempos.
“Serão tempos de muito trabalho, uma vez que serão reorganizadas as administrações municipais e comunais, bem como será cuidado o perfil dos quadros que vão ser colocados à frente destas estruturas, para fazer corresponder o seu trabalho às expectativas das populações, prestando, assim, melhor serviço e de maior proximidade aos cidadãos”, sublinhou o governador de Luanda. O governador provincial garantiu que Luanda será, nos próximos tempos, “uma cidade mais aprazível”, aproveitando a oportunidade para pedir a colaboração dos cidadãos na resolução dos inúmeros problemas que ainda afectam a capital angolana.
“Queríamos pedir a colaboração de todos os cidadãos, facilitando o trabalho das autoridades. Hoje temos inúmeros problemas que, nos próximos tempos, serão corrigidos, nomeadamente, aqueles que estão ligados aos mercados de chão, ao nível do casco urbano da cidade, a ocupação anárquica de terrenos, obstrução de condutas de água para o garimpo, entre outros, que devem ser corrigidos paulatinamente”, apelou Joaquim Bento Bento.
Enquanto os mercados vão sendo erguidos, as corridas dos agentes da fiscalização e da polícia contra as zungueiras voltaram às ruas de Luanda, depois de se observar um interregno na véspera das eleições, tal como presenciou a nossa reportagem na zona dos Congoleses, São Paulo, Cuca e Viana. Antes das eleições, as corridas dos fiscais e polícias cessaram. Há mesmo quem acredite ter existido um pacto de não-agressão entre as autoridades e a comunidade de zungueiras. Uma estratégia que, de acordo com populares, visava transmitir a ideia de que o partido no poder MPLA, “estava interessado no voto das zungueiras”. No entanto, um mês depois das eleições, a coabitação “harmoniosa” entre os três agentes sociais – polícias,
fiscais e zungueiras, que eram até então vistos a partilhar o mesmo espaço geográfico – voltou a desaparecer. Agora, o que se assiste é somente a corrida atrás de corrida. Os polícias e os agentes da fiscalização não dão tréguas às zungueiras, que vêem os seus negócios apreendidos, diariamente, pelas autoridades.
Cansadas da rua e dos fiscais
A falta de mais mercados para o desempenho da actividade commercial é a razão apontada por muitos dos nossos interlocutores, como estando na base da insistência na venda ambulante. Mas há quem admita que estar na rua facilita as vendas, o que justifica o facto de muitos mercados permanecerem com as bancas vazias. Há mais de cinco anos que Gú vende maçãs na Avenida Deolinda Rodrigues, junto aos Congoleses. A jovem, de 28 anos, disse estar cansada de vender na rua devido ao risco de atropelamento que enfrenta diariamente, para além dos maus-tratos a que diz ser submetida por fiscais e polícias.
“Aqui, corremos sempre o risco de ser atropeladas. Algumas vezes, o azar bate-nos à porta. Uma amiga minha quase morreu atropelada. Felizmente, a pancada não foi forte. É preciso muita atenção. A polícia e os fiscais também estão sempre atrás de nós. Batem-nos e levam as nossas coisas”, denunciou a cidadã.
Apesar do perigo, aquela jovem afirma que é na rua onde consegue obter mais lucros “devido à venda fácil. “Vendemos nas ruas, porque o cliente ao descer do táxi já compra os nossos produtos”. Mas – continuou – “os fiscais aqui nos dão muita corrida. “Quinta-feira levaram muitas coisas nossas. Para reaver os nossos produtos, temos que dar uma gasosa. Papá, vai sair mesmo da rua.
Queremos só que haja mais praça”, apelou a jovem vendedora. Rosa é outra vendedora ambulante. A jovem afirmou ter já procurado obter lugar nalguns dos mercados de Viana, mas sem sucesso. “Na praça não estão a aceitar dar-nos lugar. Já tentei duas vezes e não aceitaram. Os responsáveis dos mercados dizem que está muito cheio. Então, somos obrigadas a recorrer à rua ”, justificou-se a interlocutora, que há mais de seis anos comercializa chinelas na zona do São Paulo.
Apesar das constantes corridas dos fiscais e dos agentes da polícia, Rosa afirmou que não irá “arredar pé” da rua, enquanto encarar aquele espaço como o único local disponível para venda. “Estão sempre a receber os nossos produtos. Não faz mal, vou comprar outro. A rua é o meu local de sustento e o dos meus quarto filhos. Os mercados estão cheios”, reclamou, uma vez mais, a cidadã.
Enquanto umas alegam falta de espaço nos mercados, outras vendedoras apontam a distância que separa os mercados das suas residências, bem como a taxa diária cobrada nos mercados formais como razões para preferirem a rua. Domingas Fernandes, vendedora de sabonetes junto à ponta da vila de Viana, disse à nossa reportagem que os custos dos transportes retiram os lucros do negócio, motivo que a levou a escolher aquela paragem como o local predilecto para a comercialização dos seus produtos.
“Vendemos nas ruas, porque há poucas praças. E muitas delas estão distantes das nossas casas. Os taxistas, a toda a hora, fazem subir os preços. Eu poderia muito bem ir ao mercado dos 30, mas não vou porque este pequeno negócio que faço não rende muito. O dinheiro do taxi é o meu lucro. Penso que o governo deveria construir mais praças e próximas das nossas casas”, apelou.
Esmeralda Joana é outra cidadã que prefere a rua aos mercados. Há dois anos que vende calçado nos arredores do Grafanil. A zungueira diz que prefere vender na rua pelo facto de estar isenta de taxa. Comentando as corridas dos fiscais, a vendedora notou que já fazem parte da sua rotina diária. Quanto ao produto apreendido, a resposta também surgiu pronta: “O marido repõe o dinheiro do negócio”.
“No mercado, às vezes, nem vendemos. E somos obrigados a pagar uma taxa de 100 a 200 kwanzas, dependendo do negócio. Aqui na rua não há cobranças, mas temos que suportar os fiscais”, rematou Esmeralda.
ANTÓNIO PAULO
Fonte: Novo Jornal