
(Foto: Tarcísio Vilela)
O ex-presidente da Namíbia Sam Nujoma afirmou em entrevista exclusiva à Angop que a independência de Angola serviu e continua a ser uma vitória para o povo do seu país e também para as nações da África Austral.
ANGOP: Sua Excelência Sam Nujoma. A República de Angola assinala a 11 de Novembro do ano em curso o 40º aniversário da sua independência. O que representa para o senhor e para a Namíbia este acontecimento?
Sam Nujoma (SN): A independência de Angola serviu e continua a ser uma vitória para o povo da Namíbia em particular, e da África Austral, em geral. Angola não só nos providenciou as bases de rectaguarda para sermos capazes de lançar uma luta armada de libertação eficaz, como também deu apoio político, material e moral a nossa luta até a realização da liberdade e independência genuínas.
Assim, como disse o Doutor Agostinho Neto, Angola manteve-se para nós uma trincheira firme e a independência de Angola serviu como a continuação da nossa luta armada de libertação. As nossas relações estão cimentadas no sangue e forjadas na luta. Para além de continuar a ser uma rectaguarda segura para nós, é também um verdadeiro exemplo de emancipação económica na região.
ANGOP: Que avaliação faz do desenvolvimento de Angola ao longo destes anos de independência?
SN: Há desenvolvimento visível, tangível e concreto em Angola desde a independência, especialmente em termos de desenvolvimento de infra-estruturas, tais
como estradas asfaltadas, portos, hospitais e escolas, bem como em outros bens e serviços sociais para as pessoas. A última vez que visitei Angola consegui observar os desenvolvimentos em termos de estradas que ligam Luanda às restantes províncias do país e também no domínio da construção de escolas, porque estas são muito importantes para a formação da nova geração, que será capaz de continuar com o desenvolvimento económico para o bem-estar das populações, não só de Angola, mas incluindo a Namíbia e outros países vizinhos.
ANGOP: Angola e a Namíbia foram subjugados, um pelo colonialismo português e o outro pelo regime do apartheid. Qual é a particularidade ou similitude entre um e outro, em sua opinião?
SN: As semelhanças entre as duas nações são de que somos ambas nações africanas, que partilham uma história e destino comuns. Fomos ambos sujeitos à opressão do colonialismo e do regime de apartheid de minoria da África do Sul e do regime português de Caetano, respectivamente.
Assim, os nossos povos não puderam participar no desenvolvimento económico dos seus países e decidir o seu próprio destino. Em Angola estiveram os portugueses que escravizaram o povo e recusaram a sua educação, o mesmo aconteceu na Namíbia. A minoria branca dominava a maioria negra nessas repúblicas. Por isso é que as populações tiveram que se levantar e lutar pelas independências. Em Angola tivemos o Doutor Agostinho Neto que liderou a luta de libertação, com o MPLA que ajudou a SWAPO a lutar pela independência da Namíbia para derrubar o sistema do apartheid, que até então estava aqui implantado e que isso só foi possível depois da vitória do Cuito Cuanavale.

(Foto: Tarcísio Vilela)
Mas hoje ambas as nações e povos estão a participar nos esforços de desenvolvimento dos seus países e a traçar o próprio destino como nações independentes e soberanas.
ANGOP: Falou em Cuito Cuanavale. Que importância teve esta batalha para o virar da página na região Austral de África?
SN: Naquela batalha, o maior inimigo, que era o sistema do apartheid, foi enfraquecido e isto levou a sua queda na África do Sul. Por isso, a batalha do Cuito Cuanavale foi a chave e um facto histórico para a região da África Austral.
ANGOP: O senhor teve o privilégio de privar quer com o primeiro presidente, Agostinho Neto, quer com o presidente José Eduardo dos Santos. Como caracteriza cada um deles?
SN: O Presidente Agostinho Neto foi um líder visionário, perspicaz do nosso tempo, que trouxe a independência para o povo de Angola e o Presidente José Eduardo dos Santos continua a construir sobre fortes, inabaláveis e sólidas bases estabelecidas pelo falecido Presidente Neto, a nova Angola. Gostaria de enfatizar que temos que continuar a implementar a visão deixada pelo Doutor Agostinho Neto, porque se não fosse a sua visão não sei se a Namíbia estaria hoje independente.
ANGOP: Então está a referir-se àquela célebre frase de Neto quando afirmou que “Na Namíbia, no Zimbabwe e na África do Sul está a continuação da nossa luta”?
SN: Sim, recordo-me muito bem desta frase. Ele tinha uma grande visão que até hoje estamos a seguir em termos de desenvolvimento económico.
ANGOP: Como conheceu Agostinho Neto?
SN: Conheci pessoalmente o Dr. António Agostinho Neto, no início dos anos 60 em Dar-es-Salam, República Unida da Tanzânia, antes da independência da Zâmbia e de Angola. O Presidente Dr. Neto foi na verdade muito útil.
Eu já me encontrava em Luanda em 26 de Março de 1976, a participar na Conferência da Organização de Solidariedade entre os Povos de África e Ásia, quando as últimas tropas sul-africanas recuaram para lá da fronteira da Namíbia.
Eu comecei a organizar a transferência para Angola de algumas das nossas forças de Zâmbia. Em Maio de 1976, o Presidente Neto convidou-me a acompanhá-lo numa excursão ao sul e nós viajamos juntos para Menongue, Lubango e Namibe.
Nós nos demos bem com as pessoas locais e outras no Leste e Norte da Namíbia. Eu pude encontrar muitos recém-chegados da Namíbia e recrutá-los para o PLAN.
Em meados de Maio de 1976, os combatentes do PLAN encontravam-se em pleno vigor para garantir a manutenção de uma rota segura para os novos recrutas que entravam para Angola a partir da Namíbia. Até finais de 1976, o PLAN tinha estabelecido para a frente operacional bases que destacavam combatentes para atacar qualquer base militar sul-africana no interior da Namíbia, a partir do Oceano Atlântico, Faixa de Caprivi, ao longo da fronteira com a Zâmbia. Tivemos a nossa Frente Leste a cobrir a agora região do Zambeze; a frente North-Eastern cobria a região do Kavango e as frentes Norte e Noroeste que cobrem as áreas do ex-Ovamboland e Kaokoland; com a Sede do Comando na Villa da Ponte.
Assim, o Governo angolano, sob liderança dinâmica do Doutor António Agostinho Neto, deu-nos a oportunidade de estabelecer a sede provisória do PLAN no Lubango, no sul de Angola, e mudar a sede provisória da SWAPO de Lusaka para Luanda.
ANGOP: Que importância geopolítica teve a independência de Angola para a o fim do apartheid e a libertação dos povos do sudoeste africano?
SN: Politicamente, sempre tivemos o apoio do governo angolano. Assim, Angola fornecia e serviu como base de rectaguarda permanente para os nossos
combatentes do PLAN (braço armado da SWAPO) e, como o Doutor Agostinho Neto dizia, Angola foi para nós uma trincheira firme, já que a independência de Angola serviu como a continuação da
nossa luta armada de libertação até que conseguimos a nossa liberdade e verdadeira independência no dia 21 de Março de 1990.

(Foto: Tarcísio Vilela)
ANGOP: Qual foi o melhor e o pior momento da sua trajectória, como líder da SWAPO, enquanto movimento libertador da Namíbia?
SN: O pior momento que tenho como recordação foi o ataque bárbaro ao campo de trânsito de refugiados de Cassinga (na província da Huíla), quando muitas mulheres civis desarmadas e crianças inocentes foram friamente assassinadas pelo regime de minoria da África do Sul, que realizou incursões militares no interior de Angola. No entanto, o bárbaro e covarde
ataque à Cassinga só reforçou a nossa determinação em intensificar a luta armada de libertação como a única forma eficaz para desalojar o regime de minoria branca da África do Sul a partir da Namíbia e alcançar a nossa
liberdade e independência autêntica.
Os melhores momentos foram, incluindo quando lançámos a nossa luta armada de libertação, o reconhecimento da SWAPO como o único e autêntico representante do povo da Namíbia, mas o mais importante foi quando nós conseguimos a vitória final com a derrota do regime minoritário do apartheid da África do Sul na batalha decisiva do Cuito Cuanavale, que levou à
liberdade e verdadeira independência da Namíbia no dia 21 Março de 1990 e ao desmantelamento do apartheid na África do Sul, em Abril de 1994.
ANGOP: Que Angola gostaria de ver no futuro?
SN: Certamente, ficaria mais feliz em ver um contínuo desenvolvimento económico de Angola que garanta não só o desenvolvimento dos países da SADC, mas também para todo o continente africano. A República de Angola, como o resto dos países de África, deve estar em paz consigo mesma e com os países vizinhos, que trabalham para a unidade do continente africano e seu povo, porque acredito que um povo unido, lutando para alcançar um bem comum para todos os membros da sociedade sempre sairá vitorioso.
ANGOP: Que mensagem deixa por ocasião dos 40 anos de independência de Angola?
SN: Gostaria de pedir aos povos namibiano e angolano para permanecerem unidos e trabalharem para o sucesso do desenvolvimento económico para todos os nossos cidadãos.
ANGOP: Nota-se um vigor físico ainda considerável. Qual é o segredo para estar em forma?
SN: (Risos). Eu cresci na luta, fui um guerrilheiro e, como tal, não baixo a guarda. Continuo a fazer exercícios físicos, ler, trabalhando aqui e acolá, porque só trabalhando arduamente nós podemos vencer.
PERFIL
Samuel Daniel Shafiishuna, mais conhecido como Sam Nujoma, nasceu a 12 de Maio de 1929 de uma família de minoria da tribo Gambero. Estudou na Escola Protestante da Missão de São Barnabé na capital da Namíbia, Windhoek.
Em 1958, fundou a SWAPO (Organização dos Povos do Sudoeste da África), juntamente com Herman Toivo Jatoivo. Em 1959 foi preso e exilou-se no ano seguinte.
Em Junho de 1960 torna-se membro do Comité da ONU para os Assuntos do Sudoeste de África. No ano seguinte abre uma representação provisória da SWAPO na capital tanzaniana, Dar es Salaam. Anos mais tarde, volta à capital da Namíbia onde é formalmente detido e expulso do país, em Março de 1966.
Em Agosto daquele ano, volta a intensificar a luta armada, após a rejeição do parecer do Tribunal Internacional de Justiça da África do Sul de se opor à administração sul-africana do território.
Namíbia tornou-se então uma responsabilidade directa das Nações Unidas. Sam Nujoma interveio no Conselho de Segurança das Nações Unidas em Outubro de 1971 para defender os interesses namibianos.
Embora tenha iniciado negociações com o governo de Pretória em 1980, lança ao mesmo tempo, uma forte ofensiva de guerrilha a partir de bases em Angola e na Zâmbia.
No ano seguinte, participou na Conferência de Genebra que decidiria o futuro da Namíbia. O braço armado da SWAPO intensifica as acções armadas, alternando com períodos de negociação, até que é alcançado o acordo de paz em 13 de Dezembro de 1988.
Em 1990 a Namíbia torna-se independente e Sam Nujoma é eleito presidente da República. Em 1994 realizam-se eleições parlamentares e presidenciais e é confirmada a sua popularidade, tendo sido reeleito para um segundo mandato. (portalangop.ao)
(**Tradução: Francisco Bioco e Leda Rodrigues)