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    A COP28 marca o início do fim dos combustíveis fósseis? Sim, se houver um sistema de energia alternativo

    As negociações climáticas da COP28 no Dubai terminaram na quarta-feira com um acordo que está a ser anunciado, ao mesmo tempo, como “histórico” e uma “oportunidade perdida”, considerado “forte” por alguns e cheio de “lacunas e deficiências” por outros. Quem está certo?

    Em primeiro lugar, após três décadas de diplomacia climática, foi um especialista do petróleo quem fez o apelo mais forte de sempre à mudança da indústria dos combustíveis fósseis: o presidente da COP28, Sultan Al Jaber, CEO da empresa estatal petrolífera dos Emirados Árabes Unidos.

    A maior parte da atenção está nos parágrafos 28 e 29 de um documento denominado “avaliação global”. Esses dois parágrafos contêm palavras que sinalizam o início do fim da indústria global de combustíveis fósseis. Talvez – mas não hoje, não amanhã, e talvez não nos próximos anos.

    O documento enumera uma série de ações em vários subparágrafos. Aqui estão os pontos mais importantes:

    “…triplicar a capacidade de energia renovável globalmente e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030…”

    “…transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir o zero líquido até 2050, de acordo com a ciência…”

    Este último subparágrafo é a declaração que ganhou as manchetes da cimeira. É a primeira vez que um documento climático apela explicitamente ao mundo para se afastar dos combustíveis fósseis. Aqueles que dizem que a COP28 marca o início do fim para o petróleo, o gás e o carvão baseiam a sua afirmação nessa frase. Mas aqueles que falam de lacunas também se referem à mesma formulação. A verdade pode estar no meio.

    Primeiro, o comunicado fala em “transição” em vez de “redução gradual” ou “eliminação gradual” dos combustíveis fósseis. Esta última é a formulação que os defensores do clima defenderam. Há dois dias, um projecto anterior utilizava uma fórmula diferente, falando em “reduzir o consumo e a produção” de combustíveis fósseis. A redação final é uma concessão à Arábia Saudita e a outros países da OPEP+, porque falar de “transição” não é o mesmo que “redução”. Em linguagem diplomática isso conta muito.
    A transição implica que deve haver outro sistema de energia que será construído em paralelo, a fim de garantir uma transição “justa”, “ordenada” e “equitativa” dos combustíveis fósseis, e que possa garantir a segurança energética.

    Que sistema alternativo será esse?

    Os dois parágrafos acima citados devem ser lidos como parte de um mesmo processo e não de dois processos separados onde, de um lado, estão aqueles que se preocupam com o clima e defendem as energias renováveis, e, do outro lado, aqueles que tentam a todo o custo evitar o fim dos combustíveis fósseis.

    Na realidade, a humanidade não se vê confrontada com uma escolha entre duas opções: energias renováveis ou combustíveis fósseis. Só há uma escolha que nos é imposta pelo aquecimento do planeta: como fazer a transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, sabendo que toda a economia mundial, especialmente nos países desenvolvidos, foi construída com base na energia fornecida pelo carvão, petróleo e gás.

    Por outras palavras, não será possível “reduzir”, “eliminar” ou mesmo “transitar” dos combustíveis fósseis sem exponenciar em paralelo a capacidade de energia renovável globalmente e a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética.

    Este sistema paralelo não existe atualmente. Embora o acordo sugira “triplicar a capacidade de energia renovável a nível mundial e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética até 2030”, o que foi aclamado como um objetivo muito ambicioso, ainda estaremos muito longe de sermos capazes de substituir os combustíveis fósseis que juntos representam atualmente 80% da energia consumida globalmente. Embora a expansão das energias renováveis seja surpreendente, ainda existem constrangimentos em termos tecnológicos e financeiros.

    O acordo da COP28 não é de facto ambicioso. Ele é realista.

    Vista deste ângulo, a COP28 marca um momento histórico. Somos confrontados pela primeira vez com uma realidade muito simples: as energias renováveis e os combustíveis fósseis são duas faces da mesma moeda. O que está de facto em jogo é o modelo industrial que tem impulsionado a economia mundial desde a Revolução Industrial, há mais de 200 anos.

    O processo de transição será complicado, demorado e muito caro e terá repercussões diferentes nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.

    Não há dúvida de que o clima é um bem comum para toda a humanidade. Mas a perceção deste bem é diferente quando se trata de países desenvolvidos e de países em desenvolvimento, entre países ricos e países pobres. As estatísticas indicam que mais de 645 milhões de pessoas em África não têm acesso à electricidade e que mais de 700 milhões não têm energia limpa para cozinhar. Em todas as COP, o financiamento e a ajuda aos países em desenvolvimento são anunciados com grande alarde, mas no final os cofres permanecem vazios.

    A fragmentação da globalização complica ainda mais o processo. Se por um lado o objetivo de limitar o aquecimento global estabelecido no Acordo de Paris em 2015 é um bem comum a toda humanidade, por outro lado existe uma concorrência forte e tensões geopolíticas entre os grandes blocos económicos, sobretudo entre os Estados Unidos, China e UE, para controlar as cadeias de abastecimento e produção de energias renováveis.

    Como podemos alcançar o bem comum se os meios para o atingir são racionados e apropriados por poucos?

    Normalmente os sucessos são comemorados com euforia. Mas no caso da COP28, deveríamos fazer uma pausa para refletir sobre os desafios que temos pela frente para evitar uma catástrofe climática.

    Por: José Correia Nunes
    Diretor Executivo Portal de Angola

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