Nos caminhos que Zeca Pagodinho passou, Arlindo Cruz esteve. E faz umas quatro décadas que a recíproca é verdadeira. Porque nos sambas até de manhã de Arlindo, Zeca sempre bateu ponto “com cerveja pra comemorar”. Quiseram os deuses do carnaval que esses dois compadres de longa data virassem enredo na Sapucaí no mesmo ano e, para melhorar, num desfile após o outro, na abertura do Grupo Especial do Rio esta noite. Primeiro, o Império Serrano toca seus agogôs para saudar Arlindo — que leva a verde e branco no coração. Depois, é a Acadêmicos do Grande Rio que se carregará de axé para aclamar Zeca. Pronto! A patota de bambas estará formada para reverenciar os irmãos de vida que, de tanto andarem juntos, colecionaram apelidos como Cosme e Damião, o Gordo e o Magro e o Preto e o Branco.
Seu parceiro Zeca, claro, também não vai faltar. Vai se esbaldar na última alegoria da Grande Rio, que terá uma águia para lembrar a Portela, agremiação por qual ele declara paixão. O cantor e compositor, aliás, voltará a cruzar a Passarela amanhã, no abre-alas da centenária azul e branco, também sob os auspícios de uma águia. Na tricolor de Duque de Caxias, uma diferença é que ele terá à sua disposição um barril de chope, acoplado ao carro, para bebericar enquanto é aplaudido.
— Fui ao barracão, está tudo bem bonito. Não estou ansioso. Vou esperar o que vai acontecer — diz Zeca, no seu estilo descontraído.
Este ano, ele completa 40 anos de carreira, e o espetáculo da Grande Rio, atual campeã do carnaval, marcará o início das celebrações. Será ainda o pontapé das filmagens, que ocorrerão na Avenida, do longa-metragem “Deixa a Vida Me Levar”, que vai mesclar ficção com realidade, com produção de Marco Altberg e Roberto Faustino e direção de Mauro Lima (o mesmo de “Tim Maia” e “ Meu Nome não é Johnny”).
— A ausência que vou sentir nesse desfile é do Arlindo, que é meu maior parceiro, meu amigo — confessa Zeca, uma vez que Império e Grande Rio se apresentarão uma colada na outra. — Mas em casa eu vou ver o desfile dele na TV. São histórias e histórias juntos. Viajamos, rodamos muito, fizemos muitos shows.
Sobre como os dois se conheceram, Zeca conta que foi no Pagode do Arlindo, na Rua Padre Telemaco, em Cascadura, na Zona Norte carioca. Outro compositor, Cláudio Camunguelo, que os apresentou. O então rapaz magrinho em busca do sucesso entregou ao Arlindo uma música, chamada “Dez Mandamentos”, que o sambista imperiano musicou e logo foi parar nas rádios.
Numa entrevista que deu a Jô Soares antes do AVC, Arlindo contou que via Zeca em Quintino, no Bar Cu da Mãe (sim, no Rio isso é possível), quando Camunguelo uniu os dois sambistas. Pequenas diferenças à parte, o restante da história coincide, assim como a trilha dos dois rumo ao tradicional Cacique de Ramos.
— No início, ficávamos só assistindo ao samba. Depois que passamos a participar, arrumamos novos parceiros, conhecemos Luiz Carlos da Vila— lembra Zeca.
Coincidentemente, tanto o Império quanto a Grande Rio desenvolvem seus enredos contando a trajetória de seus respectivos homenageados pelo Rio. Na tricolor da Baixada, o Quintandinha de Erê (apelido que o samba da escola ganhou nos ensaios) passeia de Irajá, no subúrbio carioca, onde Zeca nasceu, a Xerém, distrito de Duque de Caxias, onde fica seu sítio e o Instituto Zeca Pagodinho. Enquanto na verde e branco, brilha a Madureira de “Meu lugar”, um dos maiores hits de Arlindo.
— A música começa com “O meu lugar é caminho de Ogum e Iansã”. Quem vai a Madureira pode ir por Quintino, onde fica a Igreja de São Jorge, padroeiro do Império e sincretizado com Ogum; ou por Rocha Miranda, onde fica a de Santa Bárbara, Iansã. Ou seja: os caminhos de Arlindo são os mesmos do Império — explica o carnavalesco Alex de Souza.
Babi lembra que seu marido sempre disse que Madureira é a capital do subúrbio do Rio. E nesse bairro onde reinam duas potentes escolas de samba, recorda como Arlindo, de família portelense, tornou-se imperiano de fé:
— Ele sempre contou que mestre Candeia, que é o seu grande professor da vida, o levava para aprender partido-alto no Morro da Serrinha, com Seu Aniceto do Império. Então, ele se descobriu apaixonado loucamente pelo Império e seus baluartes, que também estarão nessa homenagem.
Babi lembra ainda mais uma sintonia entre Império e Grande Rio este ano. Revela que Arlindinho Cruz, filho do casal, desfilará na comissão de frente da agremiação de Madureira. Já na Grande Rio, ele é um dos compositores do samba em reverência a seu “tio Zeca”.
E essas coincidências podem não ser mero acaso. Leonardo Bora, que assina o carnaval da tricolor com Gabriel Haddad, reforça:
— Serão desfiles com muitos pontos em comum. Os dois são compadres, parceiros, têm muitos sucessos juntos. Foi o que quiseram os deuses do samba.
Por Rafael Galdo