O economista angolano Rui Malaquias considerou, em Luanda, acertado o modelo económico adoptado por Angola desde 1991, apesar de alguns erros na sua implementação, como a existência de empresários que continuam a servir-se do Estado.
Em entrevista à ANGOP, afirma que a consciência das pessoas não mudou até hoje, apesar da economia de mercado, e critica os empresários que acham que o Estado tem a obrigação de dar tudo, mas criam negócios apenas para fornecer ao Estado.
Nesta conversa mantida com o jornalista Paulo André, via correio electrónico, o mestre em finanças lamenta a existência em Angola de vários indivíduos colocados nos centros de decisão e detentores de agendas privadas, responsáveis pelo atraso do processo de redimensionamento do sector empresarial público e retracção da influência do Estado.
Rui Malaquias, que fala ainda no âmbito do 45º aniversário da independência nacional, celebrado a 11 de Novembro, faz uma abordagem dos efeitos da economia centralizada no actual modelo, impacto da Covid-19 na economia e das relações Angola/FMI.
ANGOP – Numa linguagem acessível ao cidadão comum, pode dizer-nos qual é, na prática, o modelo económico angolano e quais são as suas principais vantagens comparativas, sendo um país africano em desenvolvimento?
Rui Malaquias (RM): O modelo económico angolano é assentado na propriedade privada dos meios de produção, em que quem cria empregos e riqueza são os empresários privados nacionais e internacionais. O Estado tem a função de prover bens públicos ou condições essenciais para que a actividade económica se desenvolva com custos nunca superiores aos nossos competidores regionais e de outros continentes. Estamos a falar de uma economia de mercado em que o Estado tem um papel secundário na criação de riqueza, mas um papel cimeiro no assistencialismo social e edificação de infra-estruturas.
As vantagens passam pela possibilidade de o cidadão criar riqueza para si mesmo, através da expansão empresarial que cria mais e melhores empregos e salários, aumenta a produção interna do país e atrai mais investimento directo estrangeiro.
Por fim, são gerados mais contribuintes fiscais (mais empresas e mais postos de trabalho) que, com os seus impostos, financiam o Estado para continuar a prover os bens públicos essenciais (saúde, educação, saneamento básico, assistência social, energia eléctrica agua potável, vias de comunicação).
Angola percebeu que o desenvolvimento e crescimento económico não podem ter como princípio, meio e fim o Estado, que o Estado não pode ser o principal empregador, o maior empresário, ao mesmo tempo o ente que dita e aplica as regras económicas.
Quando assim é, as empresas públicas serão ineficientes, vão desviar o dinheiro para educação saúde e outros bens públicos, para pagar maus salários a maus profissionais. Vão também ocupar o lugar dos investidores privados, competindo com eles injustamente na busca pelos clientes e financiamentos. Como resultado, teremos um país mais pobre e não apetecível para o capital estrangeiro.
ANGOP – É esse o modelo ideal para Angola, nesse Mundo cada vez mais global?
RM: O modelo está certo, mas a implementação prática está errada, porque viemos de uma trajectória complicada. Depois da independência, o Estado passou a ser o Estado provedor, tudo era dado pelo Estado e o empresariado privado desapareceu.
À medida que a população foi crescendo e as necessidades foram aumentando, o Estado deixou de ter capacidade para suprir necessidades. Depois de 1991 as coisas mudaram de rumo e a iniciativa privada foi privilegiada, mas a consciência das pessoas não mudou até hoje.
Há empresários que acham que o Estado tem a obrigação de dar tudo e criam negócios apenas para fornecer ao Estado e o próprio Estado tem dificuldades em aceitar que deve privatizar completamente o parque empresarial público ineficiente. Há uma resistência visível que tem sido combatida com mais tenacidade desde 2017.
Portanto, o problema não está no modelo, está nas pessoas, pois são estas mesmas pessoas que estão próximas dos centros de decisão, com agendas privadas, e de certa forma atrasam o processo de redimensionamento do sector empresarial público e retracção da influência do Estado para a esfera de provedor de bens públicos
ANGOP – Quais os principais momentos menos conseguidos, no domínio económico, ao longo dos 45 anos de independência nacional?
RM: A pergunta assim colocada parece injusta, porque depois da independência, tivemos 27 anos de guerra interna, em que apenas depois de 2002 começamos a desminar os campos aráveis e as vias de comunicação, ao mesmo tempo que se deu início ao esforço de reconstrução nacional, de tudo que a guerra destruiu, bem como das infra-estruturas que nunca tivemos antes da independência.
Claramente que, inicialmente, foi a estruturação do sector petrolífero nacional, em que a Sonangol teve de assumir o papel de Estado e regular e entrada de investidores privados no sector. Está a ser evidente a expansão do sector financeiro nacional, em que a banca comercial se afirmou como motor financiador das famílias e das empresas, e o sector dos seguros é uma realidade, com as seguradoras privadas a fazerem o seu papel, mesmo com as dificuldades conhecidas.
Hoje temos uma contribuição crescente do sector não petrolífero para o Produto Interno Bruto (PIB), bem como o sector não petrolífero tem um peso crescente na e para a arrecadação fiscal, superando o sector petrolífero, o que significa que estamos perante primeiros sinais de que a diversificação económica veio para ficar.
ANGOP – Com base na situação actual, agravada pela pandemia da Covid-19, que futuro nos espera, no domínio económico, para o próximo quinquénio?
RM: Nos próximos 5 anos, esperemos que as conjecturas internacionais se concretizem e os mercados mundiais voltem a funcionar com os desconfinamentos das economias, a procura pelo petróleo aumente, aumentando assim o preço do barril, para que Angola possa arrecadar mais divisas para saldar os seus compromissos e ter mais margem para investir nas infraestruturas que reduzam os custos de estrutura das empresas privadas.
Só este aumento do preço do barril poderá resolver melhorar a situação económica nacional no curto e médio prazo, porque apenas com mais divisas é possível defender o kwanza e assim manter constante o poder de compra dos salários dos angolanos, só com mais divisas poderemos importar o capital fixo intensivo para relançar o processo de produção nacional e fazer com que o PIB nacional cresça e atraia cada vez mais investimento directo estrangeiro.
A Covid-19 já teve o seu momento de glória, em que destruiu as economias mundiais, agora tudo indica que com as vacinas para a mesma Covi-19 prontas e a serem ministradas, Angola espreita uma oportunidade de relançar a sua economia e de crescer, se aplicar correctamente os recursos que devem ser gerados com a subida do barril de petróleo.
ANGOP – Quais são os resultados positivos da colaboração do Governo angolano com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e que efeitos perversos poderão gerar à economia?
RM: A nossa relação com o FMI tem de ser a mais cínica e seca possível. Nós precisamos do FMI para financiar a nossa economia e fazer a manutenção da nossa imagem externa. Em troca, eles exigem de nós a aplicação de medidas impopulares que garantam que Angola tenha condições para honrar os compromissos com o FMI, bem com os investidores que o FMI vai “mandar” para aqui.
O que vai acontecer, e já está a acontecer, é que vamos ter de apertar mais os cintos, porque devem estar a chegar medidas duríssimas, como retirada gradual dos subsídios aos preços dos combustíveis e outros serviços providos pelo Estado, mas o FMI é astuto o suficiente para ver quando está a apertar muito. Mas temos de saber negociar, pois, se situação política e social se descontrolar, dificilmente o FMI terá de volta o capital emprestado.
Por estas e outras razões, é possível que o FMI aceite aliviar a implementação de tais medidas, alias como já o fez, influenciando positivamente os nossos credores para que Angola conseguisse uma moratória no pagamento da divida externa.
Contudo, para que isto aconteça, Angola deve estar comprometida com o esforço de implementação das medidas, bem como a luta contra a corrupção e impunidade que estamos a levar a cabo.