Os produtores norte-americanos de petróleo de xisto vão ter de ajustar em baixa, nas suas contas, muitas das suas reservas provadas. Isto porque as normas obrigam a que explorem os poços dessas reservas, o que, aos preços actuais, não compensa.
É longa a mancha de xisto que se espalha por todo o território norte-americano. Só a produção total de crude proveniente das sete principais formações de rocha betuminosa nos Estados Unidos – Bakken, Eagle Ford, Haynesville, Marcellus, Niobrara, Permian e Utica – ronda os cinco milhões de barris diários. Mas… já foi muito mais. Com efeito, dados os baixos preços do petróleo no último ano, a extracção de “shale oil”, que é o petróleo obtido a partir do xisto betuminoso, tem diminuído.
A estratégia adoptada pelos membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) – deixar os preços cair, sem intervirem directamente com um corte na produção total do cartel, para que os EUA não consigam suportar os custos da produção a partir do xisto betuminoso – tem funcionado. Os produtores norte-americanos têm demonstrado uma resiliência com que talvez a OPEP não contasse, mas o certo é que as dificuldades têm vindo a aumentar [não só para eles, note-se, pois os próprios membros do cartel têm visto as suas receitas diminuírem fortemente, havendo casos, como o da Venezuela, em que essa perda de receita é dramática].
No entanto, apesar da resiliência norte-americana, é cada vez mais difícil sustentar esta actividade aos preços actuais – há já algumas sessões que o “ouro negro” negoceia perto de mínimos de 2009. Esta quinta-feira, 10 de Dezembro, o crude de referência dos EUA, o West Texas Intermediate, rondou os 37 dólares por barril, e o “benchmark” para as importações europeias (Brent do Mar do Norte) quebrou a fasquia dos 40 dólares no mercado londrino.
Além desta dificuldade aliada à queda dos preços de um produto que a 11 de Julho de 2008 negociava em máximos históricos, na casa dos 147 dólares por barril, os produtores norte-americanos vêem-se a braços com mais uma preocupação: vão ter de ajustar em baixa, nas suas contas, muitas das suas reservas provadas. Isto devido a uma norma da Securities and Exchange Commission (SEC – autoridade reguladora do mercado de capitais dos EUA, à semelhança da CMVM em Portugal) que entrou em vigor em 2009.
Recuando no tempo, muitas empresas norte-americanas fizeram “lobby”, em pleno “boom” do petróleo de xisto, para poderem reivindicar o seu amplo potencial subterrâneo. A SEC acedeu e em 2009 introduziu uma alteração às normas contabilísticas, facilitando assim às empresas a reivindicação de reservas de poços que não seriam prospeccionados durante anos, conforme lembra a Bloomberg.
Resultado: os inventários praticamente duplicaram e os investidores apostaram bastante dinheiro nesta expansão do petróleo de xisto. Só que a norma tem um senão: exige que os poços por perfurar sejam rentáveis a um preço determinado por uma fórmula da SEC (que no ano passado apontava para 95 dólares por barrl) e que sejam prospeccionados num prazo de cinco anos.
Ora, com a diminuição crescente da produção, devido à descida das cotações do crude, as empresas estão a ver-se obrigadas a ajustarem à dura realidade económica as reservas petrolíferas que reportaram, salienta a Bloomberg.
De facto, a “revolução do xisto” colocou os EUA mais perto da auto-suficiência em energia do que em qualquer outra altura desde a década de 1980, mas foi “patrocinada” com dinheiro emprestado com base nas promessas sobre a produção futura. Acontece que os novos poços aptos a serem prospeccionados quando o preço do petróleo estava a ser vendido a 95 dólares por barril (o tal preço calculado pela fórmula da SEC) já não compensam ao preço actual. E apesar de o preço do barril estar a 95 dólares no final de 2014, já tinha quebrado o patamar dos 50 dólares quando as empresas reportaram as suas reservas, em Fevereiro e Março deste ano.
“O tempo chegou ao fim, os preços estão em queda e a norma [da SEC] está prestes a ‘varrer do mapa’ milhares de milhões de barris das reservas dos prospectores de xisto”, adverte a Bloomberg.
Só a Chesapeake Energy Corp., fundada por Aubrey McClendon, pioneiro do “fracturamento hidráulico [o chamado “fracking”] – que consiste na injecção de um fluido a alta pressão, no subsolo, para facilitar a extracção de crude – vai ter de eliminar 45% (equivalente a 1,1 mil milhões de barris) do seu inventário, sendo uma das maiores perdedoras.
Outros exemplos apontados pela Bloomberg referem a Bill Barrett Corp., que verá desaparecer dos seus balanços 40% das reservas provadas de petróleo, e a Oasis Petroleum, que “apagará” 33% dos seus stocks.
O reconhecimento destas baixas contabilísticas está para breve, já que nos próximos meses as empresas começarão a reportar as suas contas anuais. Mas a Chesapeake, por exemplo, referia no seu relatório e contas do terceiro trimestre que as descobertas adicionais e a expansão da empresa irão compensar parte destes ajustes.
Os poços que apenas existem “no papel” estão particularmente vulneráveis a uma revisão. Com efeito, devido à norma introduzida pela SEC em 2009, as empresas têm nos seus balanços muito mais reservas não exploradas do que outrora, explica a Bloomberg.
As reservas de petróleo e gás por explorar mais do que triplicaram, para 6,1 mil milhões de barris, desde 2008 – o último ano antes de a norma entrar em vigor, segundo os dados compilados pela Bloomberg. Os poços por explorar representam 45% das reservas provadas (contra 30% em 2008).
As amortizações contabilísticas poderão, deste modo, ser substanciais. As 61 empresas que integram o índice da Bloomberg dos produtores e prospectores independentes dos EUA anunciaram imparidades de 143,8 mil milhões de dólares no último ano. (Jornal de Negocios)
por Carla Pedro