Adalberto Luacuti em entrevista exclusiva ao Semanário Económico, fala sobre o estado do ensino e aponta a reforma do curso como uma das soluções para a obtenção de um ensino diferenciado e competitivo
O jornalista, escritor e professor defende a importância das aulas práticas para que, em breve, os licenciados possam ser potenciais e mais bem preparados professores para o futuro da instituição.
Foi recentemente nomeado decano da Faculdade de Direito da Universidade Lueji A’Nkonde. Que condições encontrou?
Encontrei o indispensável para uma instituição trabalhar.
Era o que esperava encontrar?
Sim. De alguma forma já sabia o que tinha e o que não tinha disponível porque, durante algum tempo, desempenhei a função de assessor do antigo decano. Conheço a instituição e já lidava com as pessoas com quem estou a trabalhar. É por isso que a área pedagógica funciona sem subsultos.
Que desafios se propõe alcançar para o próximo ano lectivo?
O primeiro elemento é a estabilidade do curso. Temos vários domínios de intervenção, vamos continuar a formar jovens interessados pelo curso de direito, quer no período diurno, quer no período pós-laboral. A nossa instituição começou a trabalhar em 2011 apenas com o período laboral e, em 2013, introduziu-se o período pós-laboral para dar oportunidade aos jovens que não podiam frequentar as aulas no período da manhã. É pretensão nossa também, para o próximo ano académico, a capitação e recrutamento de monitores para auxiliar os professores nas aulas e de docentes com experiência para ocuparem vagas de professores titulares. Para o próximo ano temos ainda em aberto a possibilidade de haver aulas no período da tarde mas, temos de ponderar a questão porque implicaria recrutar mais pessoal tendo em conta a situação económica do país. Portanto, é ainda uma situação que carece de muitas avaliações.
Os estudantes do período póslaboral pagam uma propina?
Sim. Os estudantes dos pós-laborais pagam propinas e o período diurno não paga propinas no âmbito da política de ensino gratuito que o Estado estabeleceu na sua constituição. Os estudantes das instituições de ensino públicas, em princípio, não fazem pagamentos de propinas.
Tendo em conta a situação económica do país, é possível proceder ao recrutamento de professores?
A contratação de professores é uma prioridade. Para situações pontuais podem conhecer um tratamento especial. A instituição precisa de começar a constituir o seu corpo docente efectivo.
Quantos professores são precisos para a primeira fase?
Estamos a falar em pelo menos 20 professores efectivos. Actualmente temos 26 docentes e estes todos funcionam em regime de colaboração, por isso, a nossa urgência em recrutar docentes para se criar o quadro efectivo da faculdade de direito da Universidade Lueji A’Nkonde.
Os recém-formados pela faculdade constituem potenciais candidatos a monitores?
Sim, estão todos motivados para apresentarem as suas candidaturas para serem monitores, alguns deles já foram indicados pelos próprios docentes para desempenharem esta função e, no âmbito da política geral do subsistema do ensino superior, os monitores poderão frequentar uma formação de agregação pedagógica, dentro ou fora do país, de acordo com as condições a serem criadas. Os licenciados poderão deslocarse para o exterior ou mesmo para outras províncias, ou a universidade convidar professores a virem fazer a formação na Lunda Norte. É também uma forma de continuar a proporcionar condições de investigação aos actuais docentes que, mesmo sendo colaboradores, são a nossa base de trabalho e constituem um pilar fundamental para os trabalhos que estão a ser desenvolvidos pela instituição.
Os docentes deverão ter o grau de licenciados, mestres ou doutores?
A legislação do ensino superior em Angola determina um professor que queira leccionar na universidade deverá ter, no mínimo, o grau de mestre. Entretanto, a realidade é completamente diferente do que se pretende, o mercado neste momento não tem quadros suficientes para responder às necessidades das instituições. Estas limitações levam-nos a recrutar professores com o grau de licenciados desde que tenham alguma bagagem académica. O desfio é continuar a atrair os mais classificados e os mais graduados. Enquanto esta realidade não for possível ao nível de todo o país, os licenciados continuarão a dar aulas com a formação de agregação pedagógica e superações académicas.
Acha que a província da Lunda Norte oferece um ambiente social bom para formar bons técnicos em direito?
Com certeza. Pela particularidade de ser uma cidade pequena em que todos se conhecem e, também, pela facilidade que os estudantes e docentes encontram no acesso à universidade.
A Lunda Norte encontra alguns constrangimentos pela sua localização geográfica por estar distante dos principais pólos de desenvolvimento do país.Esta situação afecta de alguma forma o recrutamento de quadros mais qualificados, com o grau de doutoramento por exemplo?
A realidade do país é essa. O que tem estado a acontecer do ponto de vista prático é que os licenciados em direito são imediatamente absorvidos pelo mercado e estes técnicos desempenham as mais variadas funções no aparelho de Estado e nas instituições privadas. Só para se ter uma ter uma noção, os nossos docentes desempenham as mais altas funções nas suas instituições a nível do Estado e não na província: estamos a falar de comandantes da polícia, directores provinciais, procuradores, juízes, gestores… E, mesmo com as grandes responsabilidades que desempenham nas instituições em que são efectivos, disponibilizam algum do seu tempo para ministrar aulas na nossa instituição e, nisto, há uma componente fundamental, eles trazem uma experiência profissional muito rica que transmitem aos estudantes. E, desta forma, consegue-se suprir eventuais carências que possam existir.
“A CONTRATAÇÃO DE PROFESSORES É UMA PRIORIDADE”
O que é que isso significa em termos práticos?
Podemos dizer que é um dos mais evoluídos métodos de ensino. O centro tem a função de dar aos estudantes a vertente prática real. O estudante do terceiro ano da faculdade de direito, no âmbito de uma disciplina, é “obrigado” a fazer palestras nas igrejas, em unidades das forças armadas, polícia, nos mercados e nas escolas sobre vários temas ligados ao direito público ou privado. Estas palestras servem de objectos de avaliação. Já no quarto ano, o estudante, para além das disciplinas do plano curricular, participa no interrogatório do arguido na Procuradoria-Geral da República, participa como defensor oficioso no tribunal e, ainda, tem contacto com os detidos nas prisões. No quinto ano, o estudante presta assessoria jurídica à comunidade por meio de uma escala, em que o estudante fica disponível para prestar assessoria jurídica à comunidade. Nesta fase, o estudante lida com variados casos como por exemplo: fuga à paternidade, litígios laborais, conflitos de terras. Os estudantes dão o primeiro passo, que é de aconselhar as partes, e desta forma, os estudantes terminam o curso com alguma experiência e são capazes de enfrentar qualquer situação no âmbito do direito.
Os estudantes redigem algum documento após essa experiência?
Sim.
De que forma é que estes trabalhos são aproveitados?
Nós temos a nível da Faculdade de Direito da Universidade Lueji A’Nkonde o Centro de Investigação Cientifica e Assessoria Jurídica da Faculdade Direito da Universidade Lueje A’Nkonde (CICAJE). Este centro desenvolve actividades comunitárias ligadas à produção de conhecimento por parte do estudante com base nas matérias que ele aprende. Estamos a preparar para o próximo ano uma publicação com algumas compilações de trabalhos de fim de curso onde poderemos também fazer a publicação de várias comunicações, como de palestras e seminários, tanto de docentes da instituição como de visitantes. Por outro lado, a faculdade de direito tem um programa de rádio – que faz uma abordagem sobre temas ligados à sociedade com resolução jurídica – em que um professor e um estudante abordam questões sobre o direito público e recebem a intervenção de ouvintes. Desta forma, pratica-se assessoria jurídica gratuita e difundida e com a componente de orientar a sociedade.
Já existe alguma proposta?
O conselho científico reúne-se em breve. Mas já temos algumas propostas de trabalhos de fim de curso para serem publicados.
Partindo do princípio que os estudantes devem investigar para estarem preparados para dirigirem palestras à comunidade e intervir nos programas de rádio, como está a instituição em termos de acervo bibliográfico?
Nós temos um acervo bibliográfico considerável. Temos um problema de espaço para a biblioteca que é muito pequena para a quantidade de livros que temos em armazém, mas temos uma biblioteca rica e diversificada capaz de dar resposta às necessidades dos nossos estudantes e professores.
Quantos trabalhos foram entregues até ao momento e quantos foram aprovados?
Nos dias 26 e 27 de Novembro deste ano realizámos a primeira selecção de defesas de trabalhos de fim de curso. Foram apresentados oito trabalhos e foram todos aprovados pelo júri. Significa isto dizer que cada grupo tem três pessoas e foram graduadas 23 pessoas e, destas, vamos escolher cinco trabalhos – que têm de facto alguma inovação e, também, uma base cultural e tradicional considerável do ponto de vista do direito e da justiça – em que a universidade vai trabalhar junto dos estudantes no sentido de transformar estes trabalhos em documentos mais bem elaborados e com vertente científica.
O mercado da Lunda Norte está aberto a estes 23 licenciados?
Deste número apenas dois não declararam se trabalham ou não. Do grupo de 21 recém-formados, sete trabalham na Procuradoria- Geral da república, sete no Ministério do Interior, três no Ministério da Educação, dois no Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, um na ENSA e um nas Forças Armadas. O que quer dizer que são pessoas já inseridas no mercado de trabalho.
Sobre a qualidade do ensino superior. O doutor afirma que a culpa da falta de qualidade não é da instituição. Afinal de quem é a culpa?
Nós não devemos culpar ninguém! Se começarmos a culparmo-nos uns aos outros não vamos encontrar solução e vamos perder o foco do problema. É preciso um diagnóstico e o diagnóstico já foi feito.
Falou-se de uma lei que aprove a reforma educativa e os resultados desse diagnóstico, agora o que é que precisamos de fazer?
MContinuar a procurar para encontrar os pontos de estrangulamento e arranjar soluções.
Do seu ponto de vista, quais são os prontos de estrangulamento?
Não consigo determinar pontualmente as questões mas, o que nós precisamos fazer é ter docentes, em todo o sistema de ensino, com vocação, pessoas que se dediquem e se apaixonem pela profissão que exercem. Precisamos de ter o docente certo, na turma certa e com condições de trabalho.
Acha que a solução para uma reforma do curso de direito passa por uma reforma das disciplinas leccionadas em Angola?
Todas as instituições têm autonomia administrativa, financeira e pedagógica. No âmbito da autonomia das instituições, cada uma pode fazer a reforma que se impuser respeitando a legislação e dando naturalmente a conhecer ao Ministério do Ensino Superior. Nós, particularmente, já fizemos a nossa parte: pegamos na matriz básica dos cursos de direito mais ou menos padronizada em Angola e introduzimos as nossas alterações ao plano curricular base. Agora, resta-nos avaliar estas metodologias para sabermos se está a trazer algum diferencial aos nossos estudantes face aos demais. Mas, isso o tempo vai ditar.
Podemos dizer que os estudantes formados em Angola estão ao mesmo nível que os estudantes formados no exterior?
As generalizações, às vezes, pecam por falta de algum rigor. A minha posição é a seguinte: desconheço estudantes que foram estudar fora de Angola e não reconheceram lá os seus documentos, não prosseguiram os estudos e não tiveram a formação concluída. Se nós temos estudantes que vão estudar ao Zimbabwe, à Namíbia, África do Sul, Inglaterra, Estados Unidos, ao Japão, a Pequim, e os documentos emitidos cá pelas nossas autoridades são respeitados e os estudantes inseridos nas turmas sem distinção, onde está a dúvida? Uns entram para o mercado de trabalho nos países onde foram estudar, outros terminam as licenciaturas, os mestrados e doutoramentos, e regressam para Angola e são integrados em grupos de trabalho com jovens formados em Angola e que estão ao mesmo nível de conhecimento.
Então, podemos colocá-los na mesma balança, ou depende do empenho de cada um ou, do seu ponto de vista, há uma qualidade superior para quem estuda no estrangeiro?
Nós temos limitações, sem dúvida. Mas, os nossos estudantes quando vão para o estrangeiro são admitidos. Se reparar, o corpo reitoral das instituições de ensino superior tem profissionais formados em muitas partes do mundo, todos com doutoramento, e todos começaram a suas formações em Angola, o que quer dizer que não existe diferença.
Falou sobre o enquadramento destes licenciados, tanto os formados no estrangeiro como os que se formaram em Angola. Como avalia o mercado de trabalho, tendo em conta a sua vasta experiência em recursos humanos?
O mercado de trabalho angolano está agitado e é uma agitação positiva
Porquê?
Todos os dias surgem várias empresas, o que implica recrutamento de pessoal. Eu costumo dizer que o mercado das transferências é uma das coisas que mais apaixona: se conversar com alguém em Janeiro e voltar a ter a mesma conversa em Dezembro, esta pessoa vai dizer que, em Fevereiro, esteve numa empresa, em Março em outra, em Julho em outra e em Dezembro está em outra. E, se continua na mesma empresa vai dizer que já recebeu três ou mais propostas de trabalho de novas empreas ao longo do ano.
É moda em Angola todos quererem ser doutores, descurando a formação técnica profissional. Isto, de alguma forma, pode atrasar o processo de desenvolvimento do país, já que, há aqueles sectores que precisam de técnicos profissionais e os técnicos superiores não querem trabalhar para estes sectores?
Eu tenho uma prepcessão diferente. O Ministério da Administração Pública Trabalho e Segurança Social tem publicado números animadores de pessoas que se formaram em artes e ofícios. A grande questão é que nós, muitas das vezes, só olhamos para o cimo da montanha e esquecemos-nos da base. Anualmente, temos um grande número de jovens a serem formados pelos centros profissionais.e.
Mas, ao que parece, não são suficientes. Esta preocupação é, por sinal, do presidente da república…
Nós temos que respeitar os ciclos de formação. Formar um quadro de nível médio, superior ou no domínio técnico-profissional tem o seu tempo e um período de autonomia de mercado. Tudo deve ser avaliado.
Qual é a sua visão sobre o estado do ensino do direito em Angola?
Temos de continuar a fazer investimentos no domínio da formação. É preciso termos os professores mais tempo na universidade.
Estas atitudes requerem algum investimento, a universidade já traçou estratégias para solucionar este problema?
Estamos a criar condições, estamos conscientes de que deverá ser um investimento muito grande. Temos de investir e, esse investimento, é estrutural e não pontual. É preciso que tenhamos uma estrutura que responda às necessidades da instituição. Uma faculdade de direito deve, no mínimo, funcionar com 598 pessoas do topo à base, nós, neste momento, temos 32 pessoas. Mas, estamos a viver limitações financeiras estruturais do país que nos impedem de recrutar pessoal. Mesmo que neste momento se coloque uma unidade física, se calhar, só em termos de docentes, não conseguiremos preencher, porque vão faltar docentes para a quantidade de cadeiras que o curso tem. As instituições angolanas tiram acima de 3.000 licenciados por ano e, mesmo assim, são poucos. Estes servem apenas para responder às instituições. É muito trabalho o que temos pela frente. (semanarioeconomico)