
Noutras campanhas criaram movimentos, apelaram ao voto neste ou naquele, fizeram propostas e dinamizaram colóquios. Agora, nada. O DN tentou perceber porquê.
“Há silêncios muito ensurdecedores, muito ensurdecedores.” A expressão é de Passos Coelho, dita na sequência de referências ao caso BES e logo após mencionar a necessidade de “ter à frente do Estado e do governo quem possa realmente lutar contra os privilégios.” A quem se referiria Passos, que no dia seguinte (na passada segunda-feira) tentou esvaziar o enigma, dizendo que aludia às propostas do seu opositor sobre a Segurança Social? Quem é que costuma falar e está calado, e é geralmente associado à noção de privilégio por parte do Estado? E queria Passos que os calados falassem ou mudos permanecessem?
O banqueiro Fernando Ulrich, administrador do BPI, que entrou para o folclore nacional com o célebre “ai aguenta, aguenta”, dito em outubro de 2012, a propósito de quanta mais austeridade poderia a sociedade portuguesa suportar e que foi entendido como um apoio ao governo e à respetiva retórica sobre a pieguice dos portugueses – a citação completa inclui uma comparação com os sem-abrigo: “Se aquelas pessoas que nós vemos ali na rua, naquela situação e a sofrer tanto, aguentam, porque é que nós não aguentamos?”-, ri. “Ouvi Passos dizer aquilo e fiquei surpreso. Não percebi o que o primeiro-ministro quis dizer ou de quem estaria a falar.”
Falaria Passos dos empresários e banqueiros que noutras campanhas ou fases políticas andaram bastante ativos – houve, por exemplo, o Compromisso Portugal, lançado em 2004 (no qual Ulrich participou), e em 2011 o Movimento Mais Sociedade, ligado ao PSD, houve o apelo de Belmiro de Azevedo ao voto em Passos, as pegas de Alexandre Soares dos Santos com o anterior primeiro-ministro -, e nesta nem um ai? O homem forte do BPI reflete: “Porque é que penso que as pessoas estão caladas? Quando fui à Quadratura do Círculo [programa de debate político da Sic Notícias] substituir o Lobo Xavier, a determinada altura perguntaram-me sobre as escolhas e alternativas. E, à frente do António Costa – foi das últimas emissões em que ele ainda esteve – o que disse foi que a margem de manobra para fazer coisas diferentes é muito pequena porque o país vai continuar condicionado pela UE, pelo euro, pelos mercados. Pode haver ênfases diferentes, e o caminho não é o mesmo – com certeza que o PS terá outro tipo de preocupações que o atual governo não teve, para as pessoas será diferente. Mas para quem tem determinado tipo de responsabilidades e preocupações não fará diferença. Não me parece que haja razões para pôr em causa a estabilidade.” Ou seja, para os empresários e banqueiros tanto faz, PAF ou PS? “Acho que as pessoas não ficam assustadas se o resultado das eleições for diferente daquele que querem. Estão tranquilas. E foi muito importante o António Costa ter feito o programa económico. Foi um bom contributo para a campanha e isso, mais o track record dele -as pessoas conhecem-no da Câmara de Lisboa – reforça-lhe a credibilidade.”
Gatos escaldados?
António Saraiva, o diplomático presidente da Confederação da Indústria Portuguesa, ou, como costuma ser denominado, “representante dos patrões”, tem outra explicação para o aparente alheamento dos empresários nestas eleições. “Não sei porque é que noutras alturas terão participado mais. Talvez porque foram mais solicitados pelos media ou pelos partidos e desta vez isso não ocorreu. Ou então os empresários resolveram manter-se calados porque gato escaldado de água fria tem medo.” Há um sorriso na conversa telefónica, antes de Saraiva entrar no seu habitual registo de subtil ironia. “Se calhar andamos tão preocupados com a sobrevivência das nossas empresas que não temos tempo. Se calhar tem que ver com alguma equidistância natural. Uns são do Benfica, outros do Sporting, outros da Académica mas apresentámos um documento sobre o que esperamos do novo governo. “Não haverá também um efeito de todos os casos recentes que atingiram o mundo empresarial português, do BE à PT, e que transformaram os empresários e banqueiros em apoios pouco gratos? “Inevitavelmente o caso BES a somar aos anteriores não deixou de inquinar a imagem da banca. Mas não são todos iguais, naturalmente. Felizmente mais discretos temos outros empresários que vão fazendo o seu trabalho.”
Não houve desafio?
Principal promotor do Compromisso Portugal e do Mais Sociedade, um movimento “da sociedade civil” ligado ao PSD que surgiu em 2011, o ex-chairman da Vodafone Portugal (abandonou o cargo em dezembro de 2014)e atual presidente do conselho de administração do jornal digital Observador, António Carrapatoso considera haver dois motivos principais para o apagão dos empresários na campanha. Começando por esclarecer que do seu ponto de vista “muitos dos empresários que apareceram em períodos pré–eleitorais anteriores não o fizeram na qualidade de empresários, mas como cidadãos preocupados com o país e com um contributo a dar”, crê que “a menor presença destes cidadãos que se poderá notar, nestas eleições, no debate político se deverá, por um lado, ao facto de os líderes políticos terem feito um esforço menor para procurar atraí-los (considerando que não valia a pena aprofundar e discutir os seus projetos) e, por outro, por muitos destes cidadãos terem achado que, com o atual enquadramento e com os atuais protagonistas políticos e respetivos projetos, haveria uma base insuficiente para que o seu contributo pudesse ser verdadeiramente considerado.”
Entre os atuais protagonistas está, naturalmente, aquele cujo desafio “para que elementos independentes da sociedade civil contribuíssem para a discussão de um novo projeto político para o país” Carrapatoso lembra ter sido, em 2010, a origem do movimento Mais Sociedade: Passos Coelho. Desta vez, porém, o gesto não se repetiu, e o empresário parece querer assumir um distanciamento em relação ao primeiro-ministro que se sublinha quando questionado sobre a forma como as ideias e propostas quer do Compromisso Portugal quer do Mais Sociedade, nomeadamente o aligeirar da carga fiscal e o combate às desigualdades, foram postas em prática. “Alguns dos principais problemas económicos e sociais do país, em relação aos quais apresentámos propostas desde o Compromisso Portugal [que esteve ativo de 2004 a 2009] permanecem ainda por resolver, como a falta de crescimento da economia, a falta de produtividade, o endividamento, o desequilíbrio das contas públicas, a atração de investimento de qualidade, a insustentabilidade da Segurança Social, como construir um modelo social justo e equilibrado etc.” Se desilusão há, porém, o acionista do Observador escolheu não a vocalizar. “Protestar não será bem o meu estilo… O meu estilo é mais procurar alertar, analisar e propor soluções e ações. E promover iniciativas da sociedade civil, em conjunto com outros promotores.” Uma dessas iniciativas é o Observador, o primeiro projeto de media da atualidade a assumir-se com clareza como um jornal de fação. Pode considerar-se que é por via desse projeto que faz a sua participação política na sociedade portuguesa? “O Observador não é um jornal de fação: é o oposto disso. A não ser que considere facciosa a orientação pelos valores da liberdade, da independência, da verdade, da qualidade, da inovação, da orientação para o leitor, da defesa do interesse público e do rigor. Considerámos que fazia falta um jornal que assumisse um ponto de vista, o que é completamente diferente de ser um jornal de fação. Ter um ponto de vista é aliás comum em muitos dos jornais mais prestigiados lá de fora. Este ponto de vista não afeta naturalmente a isenção, a verdade, a pluralidade nem a diversidade com que damos as notícias. Aliás, nós também nos diferenciamos por não sermos de fação ou de fações, e por não termos, enquanto jornal ou enquanto jornalistas, ligação a qualquer agenda partidária. Somos antes verdadeiramente independentes, não nos predispondo sequer a passar recados de forças partidárias ou de outra natureza.” (dn.pt)