
(Foto: D.R.)
Há 16 anos a trabalhar como despachante oficial o Presidente da Câmara dos Despachantes Oficiais de Angola disse que com a escassez de divisas a economia angolana está a viver o seu pior momento. Pedro Bequengue afirmou que o volume de trabalho dos despachantes reduziu em mais de metade, de 800 despachos diários para 300.
Pedro Bequengue debruça-se em entrevista exclusiva ao Semanário Económico, sobre a possibilidade de os despachantes enveredarem para o ramo de consultoria, caso reduzam as importações e aumentem as exportações. Fala também do fracasso do acordo monetário com a Namíbia e dos “falsos” despachantes que mancham o bom nome dos que trabalham honestamente no ramo
O que mudou no trabalho dos despachantes em Angola, com a escassez de divisas no mercado angolano?
Os despachantes no comércio internacional estão inseridos numa cadeia, somos nós os que começamos e finalizamos as importações e exportações.
Uma importação começa e termina com a intervenção de um despachante, mas nós dependemos do trabalho que a classe empresarial oferece em relação ao comércio internacional. Portanto, havendo escassez de divisas há redução na participação dos importadores em relação ao comércio, e isto afecta-nos porque diminui o nosso trabalho.
Em que percentagem reduziu o volume do trabalho?
Na mesma proporção em que diminuíram as importações, porque embora os nossos serviços sejam pagos por percentagem do valor, os nossos serviços diminuem na mesma em proporção.
Entretanto, de acordo com a Administração Geral Tributária no primeiro semestre deste ano as importações reduziram apenas 9,1. Ou seja ainda há um número considerável de pessoas a importar mercadoria…
Os países continuam a mandar mercadoria para aqui só que reduziram. As pessoas que mais viajavam para China eram as “moambeiras”, pequenas empresárias do ramo informal, mas que actualmente com a falta de divisas estas viagens diminuíram em mais de 50%. A realidade é que até a TAAG diminuiu o número de voos porque não há passageiros, esta movimentação de pessoas é que propicia um maior número de mercadorias a serem importadas. Actualmente as mercadorias são provenientes, fundamentalmente, da China, Portugal, EUA, Brasil e África do Sul.
Que comparação pode fazer do volume de trabalho registado pela vossa instituição, no primeiro semestre deste ano comparactivamente ao mesmo período do ano precedente?
Se considerarmos que em períodos normais, antes da crise, tínhamos na região tributária de Luanda cerca de 800 despachos diários, com a falta de divisas passamos a receber cerca de 300 despachos diários. O que significa que o volume de trabalho diminuiu mais de metade em relação ao primeiro semestre do ano passado.
Como acha que deveria ser resolvido o problema das divisas?
As medidas não são muito fáceis, trata-se de um problema internacional, o preço do barril de petróleo desceu e o petróleo é a nossa maior fonte de receitas. Certamente as nossas receitas do petróleo também diminuíram. A forma de solucionar é o que o executivo está a fazer, potenciando a produção nacional, mas isso é um processo que leva tempo.
Potenciando a produção nacional não haverá muita necessidade de comprarmos o que se produz lá fora. Nós já vivemos períodos mais difíceis do que este, em que quase tudo vinha de fora, mas aos poucos já está haver alguma produção interna para cobrir o que compramos lá fora. De certa forma também é benéfico para nós e para o empresariado nacional ter a produção suficiente no país.
Não vê isso como uma redução nos seus trabalhos visto que dependem mais das importações e ainda não temos diversificação nas exportações?
Enquanto esperamos que estas exportações sejam feitas, nós vamos depender apenas das importações, mas isso é um processo que se faz em simultâneo, enquanto se luta para que as importações diminuam temos de lutar para produzir mais internamente e só isso é que vai permitir a entrada de divisas provenientes de outras fontes que não seja o petróleo.
Mas sem importações o trabalho do despachante em Angola acaba uma vez que Angola pouco exporta. O que é que vai acontecer com os despachantes?
Uma das coisas é tentar a fazer consultoria, sabemos que um despachante é um consultor na área de comércio internacional, pode ser que haja empresas que precisem de alguns conhecimentos que os despachantes têm e estas empresas podem contactar-nos, porque no desembaraço aduaneiro dependemos mesmo que hajam trocas de mercadorias.
Considera este período o pior dos seus 16 anos de trabalho como despachante?
Sim. Nós sempre tivemos bons momentos, o petróleo sempre esteve lá em cima e as coisas aqui sempre andaram as mil maravilhas, agora com a queda do barril do petróleo é complicado.
Verifica-se um grande esforço por parte do Governo para tentar contornar a crise das divisas, como por exemplo o acordo feito com a República da Namibia relacionado com as trocas de divisas a quem diz que este acordo foi um fracasso. Quer comentar?
Os problemas económicos são problemas científicos e isso é uma ciência, estando nós inseridos nisso onde cada um vê em cada solução uma oportunidade, é claro que a expatriação do kwanza para a Namibia permitiu que outras pessoas encontrassem nisso uma fonte de negócios e por mais que se pense em arranjar soluções para o bem a quem pensa sempre em tirar benefícios e prejudicar todo um processo.
Mais foi acertada a decisão ou não?
Acho que esta decisão não foi muito acertada.
E a intenção do governo de tentar fazer circular a nossa moeda na China e a moeda chinesa em Angola. O que acha disso? Se se avançar com este projecto resolveria a questão das importações que diminuíram por falta de divisas?
Acho que não resolveria porque uma moeda para ter carácter internacional precisa primeiro que a sua economia seja estável, porque se o Kwanza passar a valer na China e cada um puder levar lá um valor determinado, é claro que aqui o que as pessoas querem é viajar e continuar as suas visitas. Sabemos que existe em Angola um elevado número de desempregados e a maioria das pessoas estão empregadas no comércio informal, e são estas pessoas que absorvem parte destas divisas que aparecem nos bancos comerciais porque precisam de viajar, ou porque têm familiares fora, outros precisam cuidar da saúde no exterior, agora se a nossa moeda valer na China onde há saúde, comércio e educação vamos ficar sem dinheiro aqui, seria necessário que outras moedas entrassem aqui na mesma proporção para poderem fazer a troca.
Como é que estão organizados os despachantes em Angola?
Nós estamos organizados por circunscrições. Actualmente estamos subdivididos em 7 regiões tributárias mas como despachantes continuamos com as quatro subscrições. Depois de 2006 com a aprovação do código aduaneiro a profissão foi liberalizada, antes os despachantes de Luanda só poderiam fazer despachos na região de Luanda, mas agora é diferente, desde que um despachante em Luanda crie condições numa outra circunscrição pode fazer despachos em duas ou três regiões desde que os despachos sejam assinados pelo despachante.
Quantos despachantes oficiais estão registados na vossa organização?
Temos 232 despachantes. A nossa actividade emprega duas formas de trabalhadores os efetivos e os eventuais, neste momento com a crise, alguns estão a reduzir os seus funcionários. Os despachantes trabalham com os ajudantes de despachantes e com os caixeiros despachantes, duas categorias controladas pelas alfândegas, e com outros que são controlados pela Banca dos despachantes e que não têm cédula da alfândega.
Passa a imagem de que os despachantes não são credíveis concorda?
Não, o problema é que existem muitos que se intitulam como ajudantes de despachantes, estes é que não são credíveis, por isso quando surgem situações que descredibilizam a classe tentamos entrar em contacto com a pessoa em causa e ver o número da cédula que confirma se se trata de um despachante. Agora não se pode generalizar um caso e manchar uma classe que anda a lutar para se afirmar, embora seja uma profissão muito antiga sofremos desta invasão silenciosa que tem vindo a prejudicar o nosso trabalho.
Sempre se verificou um congestionamento no desalfandegamento de mercadorias. Como é que está este cenário actualmente?
Para nós o melhor é que haja muitas importações e exportações, quanto maior for o volume das importações ou exportações maior é o volume de trabalho nas nossas bancas. A quantidade de navios que atracam no porto depende da quantidade de importações, nesta altura como há menos importações, há menos navios a virem para Angola, por isso este congestionamento é benéfico.
Em que pé está o processo sobre a obrigatoriedade do seguro de mercadorias?
O nosso sistema de importação permite que as mercadorias importadas no país sejam feitas com seguro que é o custo da mercadoria e o frete, agora por falta de seguro obrigatório nós fizemos com o frete e com o valor da mercadoria, isso é um assunto que está a ser tratado pelas empresas de seguros mas até agora não temos nenhuma informação como anda o processo.
A entrada em vigor do seguro obrigatório é benéfico?
Os seguros em si são benéficos, mas para nós como despachantes achamos que a entrada em vigor dos seguros precisa de uma classificação em relação ao ponto onde o seguro deve ser feito e é isso que se está a tentar fazer exactamente. Para Angola tinha que ser feito cá para a devolução dos valores caso haja alguma catástrofe com as mercadorias mas facilmente as pessoas podem contactar as empresas e verem de volta o que é devido pelo seguro.
De que forma os despachantes podem ajudar a desenvolver o comércio em Angola?
Participando na cadeia de forma activa, dando o seu apoio dentro das suas contribuições para o desenvolvimento do comércio.
Acha que o país está bem servido com a quantidade de portos e aeroportos que tem?
Sim, porque os portos e aeroportos estão nas áreas de maior densidade populacional como Cabinda, Luanda, Namibe e Lobito e talvez agora com a criação do porto seco em Malanje, só precisaríamos de um porto seco no Lubango e com o da Santa Clara resolveria alguns transtornos. Com a conclusão do Porto do Namibe e o Aeroporto Internacional de Luanda, vai melhorar o comércio naquela região e quando aumentam as trocas comerciais aumenta a nossa intervenção.
Por que razão faltaria um no Lubango?
Assim evitaria que as pessoas fizessem a transferência das suas mercadorias de Walvis Bay na Namíbia para o Lubango ou do Namibe para o Lubango, seria responsabilidade das agências de navegação pegar os produtos e meter directamente no Lubango já que é uma área com grande densidade populacional.
O BNA já aumentou três vezes em três meses consecutivos a taxa básica de juros. Até que ponto isso prejudica o vosso trabalho?
A taxa do BNA serve de referência para o valor aduaneiro que apresentamos nas alfândegas, as mercadorias chegam em moeda estrangeira e temos de converte-las em moeda nacional, o que significa que quando existe a mudança da taxa de referência das moedas estrangeiras, temos um maior volume de kwanzas para o pagamento das imposições aduaneiras e todas instituições fazem o mesmo, para poder cobrar as suas despesas o que significa que as coisas ficam mais caras em relação ao período anterior. (semanarioeconomico.ao)