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    Enterros ilegais travam as obras

    (Fotografia: Santos Pedro)
    (Fotografia: Santos Pedro)

    As obras ainda estão por concluir, mas já há enterros, clandestinamente, no maior cemitério do país, que está a ser construído na comuna de Benfica, município de Belas. As pessoas que ali fazem funerais residem nas imediações. O empreiteiro tem dificuldades com a obra.

    A reportagem do Jornal de Angola soube no local que as pessoas que ali fazerem funerais residem nas imediações.
    Até ao momento são cerca de 500 sepulturas sem numeração, desordenadas, com ramos de flores, cruzes de madeira e outros objectos. Nos últimos meses, alguns corpos, suspeita-se, foram enterrados de madrugada. Durante o dia realizavam-se dois a três funerais na parte traseira.
    “Muitas vezes, os guardas só protegem as obras que estão a ser feitas, o material e os equipamentos de construção, não se importam com as pessoas que fazem os funerais. As pessoas trazem as pás, picaretas e enxadas. Fazem as sepulturas e enterram os seus entes-queridos”, contou o jovem Ângelo Martins, um dos mais próximos vizinhos do cemitério.
    Antes da realização das obras, no local já se faziam funerais. “Alguns anos atrás, o local era um esconderijo de delinquentes. Muitas pessoas que fossem enterrar os seus entes-queridos eram assaltadas”, disse.
    Ângelo Martins, pedreiro, explica que o cemitério surgiu pelo facto de os outros lugares santos, Sant’ana, Alto das Cruzes e Catorze, ficarem distantes do bairro Benfica. Para se enterrar nos cemitérios da cidade tem de se tratar de muitos documentos e gastar muitos valores. É por isso que os que moram aqui fazem já os funerais aqui”, frisou.
    Ivanove Teixeira é outra jovem residente no Lar do Patriota e enterrou a mãe nesse cemitério. Afirmou ao Jornal de Angola que “a família não tinha condições financeiras para fazer funeral nos cemitérios da cidade”. Segundo ela, as primeiras pessoas a fazerem funerais clandestinos no local foram os moradores da área, principalmente os provenientes da República Democrática do Congo, há cinco anos. Preocupado com a situação, o Governo da Província de Luanda (GPL) proibiu a realização de funerais e decidiu transformar o local num verdadeiro cemitério para permitir que as pessoas possam realizar os funerais de forma mais digna e dar um repouso à alma do ente-querido em melhores condições, com as campas ordenadas, numeração para que cada um não perca de vista o lugar em que foi sepultado o seu parente.
    “Mas a população não estava a cumprir, não estavam a respeitar a decisão do GPL. Sem cumprir com as normais administrativas, realizavam os funerais, Já ouvi dizer que até faziam funerais clandestinamente nas primeiras horas da manhã, entre as quatros e cinco horas”, revelou Ângelo Martins.
    A socióloga Kezita Michinge, que também é professora universitária, diz que a acção de realizar os supostos funerais de madrugada não é nenhum novo ritual, “mas sim uma possível estratégia encontrada por estas pessoas carentes economicamente para realizarem o funeral, sem ter de assumir muitos custos”. Apesar da proibição da realização dos funerais decidida pelo GPL, o cemitério só veio a conhecer o seu verdadeiro encerramento nos últimos dias, depois da visita realizada pelo governador da província, Bento Bento, acompanhado de membros do seu pelouro.
    Bento Bento, depois de ter percorrido as instalações e ser informado da situação, orientou a administradora do município de Belas, Joana Quintas, em parceria com o corpo da Polícia Nacional, destacado no local, a envidar esforços, para que as pessoas observem e respeitem a decisão da proibição da realização dos funerais no local.
    Actualmente, o portão, como constatou a reportagem do Jornal de Angola, encontra-se trancado com três cadeados de cima a baixo. A par disso, todos os dias, de hora a hora, agentes da Polícia Nacional fazem rondas nas imediações do cemitério. “Neste momento, nós estamos a patrulhar esta área, constantemente, devido aos indivíduos que teimam em realizar funerais aqui, desrespeitando as ordens do governo provincial”, disse, na ocasião, o agente Domingos João. Surpreendidos por verem o portão fechado, estão o ex-combatente das FAPLA, Arnaldo Pereira, 53 anos, e Filomena de Castro, 44 anos.
    “Todos os sábados venho aqui fazer a limpeza da campa do meu esposo e dos meus dois filhos. No sábado passado deparei-me com o portão trancado, e em nenhum momento fomos avisados de que já não podemos visitar a última morada do nosso ente-querido. Ainda estou com dor, quero ver o local onde está o meu marido e os meus filhos”, disse a lacrimejar Filomena de Castro.
    Preocupada com a situação, Filomena de Castro questionou da seguinte forma: “A quem devo pedir explicações, meu Deus? Isso não se faz! Deixam enterrar para depois fazerem o que estão a fazer. É pecado! É pecado! É pecado!”
    Enquanto Filomena de Castro se questionava, Arnaldo Pereira, com sacos de areia, cimento e material de construção no carro, pronto para fazer a campa do seu filho, lamentava o facto de o GPL não ter avisado antecipadamente para prevenir as pessoas, sobre o encerramento do cemitério. Ivanove Teixeira considerou ser um procedimento errado a situação de impedirem as pessoas de entrar no cemitério. “É justo proibir as pessoas de realizar aqui funeral enquanto decorrerem as obras, o que não está certo é impedir as pessoas de entrar para limpar as campas, porque apesar de tudo, os mortos continuam a ser as pessoas que nós amámos e mesmo com a ausência física, eles estão sempre presentes nas nossas memórias e até porque devemos respeitar os mortos”, lamentou.
    O cemitério de Benfica, o maior do país, vai nascer na comuna com o mesmo nome, no município de Belas. Tem capacidade para duas mil covas e 200 funerais por dia, numa extensão de 100 hectares, dos em 25 hectares dos quais já estão a ser construídas infra-estruturas administrativas, lavabos, parque de estacionamento, arruamentos com 36 quilómetros de estradas asfaltadas.
    As obras, a cargo da empresa Yero Limitada, arrancou em Maio deste ano e tem previsão de conclusão no fim do primeiro trimestre do próximo ano. O director de obras da empresa, José Varela, promete concluir as obras antes da data prevista. “Nós tínhamos dois anos para fazer a empreitada, mas, a pedido do governador, reduzimos um pouco esse prazo e vamo-nos esforçar um pouco mais para reduzir o tempo”, acrescentou.
    José Varela afirmou que as obras estão a decorrer a bom ritmo. A maior preocupação está no facto de se aproximar o período das chuvas. “Neste momento estamos a concluir as obras da capela, é uma capela que vai ter uma extensão de 70 metros, após a passagem do portão de entrada”, frisou.
    O cemitério vai permitir que sejam sepultados cadáveres provenientes dos municípios de Benfica, da Camama II e do Lar do Patriota em função da disponibilidade de lugares. O vice-governador António Resende, disse a propósito: “Apesar de não termos ainda uma data definida para a inauguração do cemitério, prevemos a sua abertura para antes do dia 2 de Novembro ou no dia 25 de Janeiro, dia da cidade de Luanda”. (jornaldeangola.com)

    Por Victorino Joaquim

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