
Os países africanos só fazem 11% das suas trocas comerciais entre eles. O valor é de 21% entre os da América Latina, 50% entre os asiáticos e 70% entre os europeus. Saiba o que está a correr mal no comércio intra-africano, segundo o diagnóstico da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento.
O comércio intra-africano tem um enorme potencial para criar empregos promover investimentos e o crescimento económico do continente. África, no entanto, continua a ser um actor marginal do comércio mundial, representando apenas 2,8% das transações entre 2000 e 2010. Os dados constam do relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) sobre o Desenvolvimento Económico em África em 2013.
Uma das principais conclusões do documento é que o comércio inter- africano vale apenas 11,3% do total de transacções efectuadas pelos países do Continente, de 2007 a 2011. A percentagem era de 19,3% em 1995, atingiu um pico de 22,4% em 1997 e tem caído desde então. O facto é ainda mais preocupante, se atendermos que, durante o mesmo período, o comércio regional entre os países da América Latina ascendeu a 21% (quase o dobro da taxa em África) entre os da Ásia Pacífico foi de 50% e entre os europeus chegou aos 70%.
Os especialistas alertam que o peso do comércio do comércio informal e mais elevado em África. Cálculos recentes da SADC (Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral), de que Angola faz parte estimam que o peso da informalidade possa representar 30% a 40% das trocas dentro do bloco. Ainda que esse valor fosse somado aos 11% do comércio intra-africano, o total continuaria abaixo dos países asiáticos ou europeus.
Queda em percentagem de subida em valor
Essa queda em percentagem do comércio intra-africano, segundo adverte a UNTACD, pode ser atribuída ao facto das trocas com o resto do mundo terem aumentado a um ritmo mais veloz do que entre os países africanos. De facto de 1996 a 2011 o comércio regional cresceu a uma taxa média de 8,2% ao ano só que as trocas com o resto do mundo subiram mais depressa a 12% por ano em media. Isso não significa, relativiza a UNTACD que o comércio entre africanos tenha abrandado. Pelo contrário: as trocas regionais passaram de 32 mil milhões de dólares, em 2000 para 130 mil milhões em 2011. Mais do que quadruplicaram.
Outra conclusão importante é que o comércio dentro do continente tende a fazer-se à volta dos oito blocos regionais existentes. Voltando ao exemplo da SADC, 78% das trocas com África referem-se a países-membros desse bloco. Apesar da taxa de comércio intra-africano de 11,3% ser decepcionante há grande heterogeneidade. Por exemplo, de 2007 a 2011, as exportações para África representaram cerca de 40% do total em nove países: Benin, Djibouti, Quénia, Mali, Ruanda, Senegal, Togo, Uganda e Zimbabwe. Nas importações o número subiu para 11 nações: Botswana, Burkina Faso, República Democrática do Congo, Lesoto, Malawi, Mali, Rwanda, Serra Leoa, Swazilândia,
Zâmbia e Zimbabwe. E a percentagem do comércio africano no PIB só está acima dos 30% em cinco países: Botswana, Lesoto, Malawi, Swazilândia e Zimbabwe.
Também é interessante analisar as oportunidades para o comércio regional ao nível dos produtos. Há um enorme potencial na agricultura. África tem 27% das terras aráveis do mundo. No entanto, muitos países do continente (como Angola) importam alimentos de outras partes do mundo. De 2007 a 2011, 37 países africanos tinham um saldo comercial negativo em bens alimentares. Angola tem, alias, o segundo maior défice da África Subsariana, depois da Nigéria (no continente a Argélia e Egipto têm saldos ainda mais negativos). Outra estatística sintomática: apenas 17% do total mundial das trocas de bens alimentares são realizadas em África.
No que concerne ao comércio industrial, o relatório aponta que as trocas dentro do continente (43%) são superiors às que se fazem com o resto do mundo (13%). Essa é a boa notícia. A má é que a importância do comércio industrial entre os países africanos tem vindo a descer na última década. Recorde-se que essa taxa é de 65% na Ásia e de 56% na América Latina.
a tendência segundo se argumenta no relatório é um reflexo da “desindustrialização” verificada no Continente desde os anos 90. Melhores notícias vêm do lado do investimento entre países africanos que tem crescido na última década. Os serviços (sobretudo os financeiros) são o sector mais atractivo para os investidores, com uma taxa de 68% sobre o total de projectos.
Quanto mais pequenas, menos exportam
Outras características típicas de África são o já referido peso do comércio informal. A taxa é de 38% do PIB na África Subsariana, face aos 18% da Ásia Pacífico e aos 27% do Médio Oriente e Norte de África. Outra desvantagem é a dimensão média das empresas que na África Subsariana é de apenas 47 trabalhadores, ao passo que na Malásia é de 171, na Tailândia de 393 e na China, de 997. Os estudos da UNTACD consideram que esse critério é importante, dado que quanto menores são as firmas, maior a tendência para produzirem apenas para o mercado doméstico. Há ainda outro factor que influencia negativamente a capacidade exportadora: a baixa produtividade por trabalhador. Em África é de 4734 dólares por assalariado, um valor muito abaixo do da Ásia (6631) e da América Latina (8890).
Por todas estas razões não surpreende que os Chefes de Estado reunidos no último African Summit tenham eleito o aumento do comércio intra-africano a criação de zonas de comércio livre no continente como prioridades estratégicas. Os especialistas da UNTACD um recado sugerem que, embora a eliminação de barreiras comerciais tenha um papel decisivo, será preciso envolver a iniciativa privada nesse esforço de integração regional crescente. Oxalá a publicação deste relatório dê um impulso à união das economias africanas. FILIPE CARDOSO (exameangola.com)