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    A Catepa do Pedro Nzaji

    Pedro Nzaji (TPA
    Pedro Nzaji (TPA

    Fidel Castro, no auge da sua inspiração discursiva, perguntou-se um dia, surpreendido, quem era aquele novo político que falava nos comícios durante quase tanto tempo como ele. Creio que se referia a Daniel Ortega, um jovem nicaraguense forjado no caldo da militância sandinista e que se tornaria, algum tempo depois, uma espécie de seu amigo discípulo pelos caminhos travessos da política.

    Tornou-se-me inevitável o recuo àquela inquietação pública do comandante da revolução dos barbudos quando, a dado ponto da minha relação de amor imaculado com a aldeia em que nasci, o Tomessa, percebi no humorista e apresentador de TV Pedro Nzaji repetidos sinais de afecto na direcção do sítio malanjino por onde começou a sua aventura terrena. Fiz pergunta idêntica: “quem é este jovem que parece querer tanto como eu o seu lugar de nascimento?”

    Desde então o bairro da Catepa passou a fazer parte dos meus mistérios por desvendar. Há alguns anos, quando ainda assumia funções directivas formais no jornal que apaixonadamente estruturámos um grupo de colegas amigos, O PAÍS, fomos a Malanje celebrar uma data relevante para a LIVEGUM, Liga da Velha Guarda de Malanje. A dinâmica e resistente associação cívica passava pelo marco dos 25 anos e pessoas como o Carlos Cunha, seu presidente de direcção, e o João Rosa Santos, fizeram questão de intimar-nos para uma viagem duríssima, por estradas empoeiradas à espera do asfalto das brigadas chinesas.

    Connosco ia também o Victor Hugo Mendes, ao volante de um minúsculo motor made in Corea que todos nos perguntámos das razões e dos segredos de não ter chegado desconjuntado à meta! Cumprimos uma ampla agenda de reportagem, ao melhor estilo das missões que representam mais prazer que trabalho, intercalando eventos da comemoração do aniversário da liga dos malanjinos e iniciativas próprias de uma equipa de profissionais talhada para ir sempre um pouco mais além. Lembro-me que integrava o grupo o Dani Costa, que aproveitou para voltar a respirar muitos anos depois os ares do lugar em que deixou enterrado o cordão umbilical, uma aldeiazinha com mangueiras plantadas aleatoriamente e vizinha de uma ponte ferroviária do tipo das que os suicidas adoram para se livrarem dos tormentos mundanos.

    Nessa viagem não passei do centro da cidade, pelo que regressei à base –Luandacom a dor e a frustração de não ter podido conhecer o afamado bairro da Catepa, alojado no meu imaginário e no de muitos outros defensores do Tomessa, como o seu concorrente mais arrojado. Em Agosto de 2013 voltou a surgir a possibilidade de retornar a Malanje, num tempo de novas conquistas e novos desafios. Havia pelo menos dois pontos diferenciadores entre uma viagem e outra: a chegada do comboio e a existência de um soberbo pavilhão multiusos, que acabaria por ser santuário festivo em três dias de hóquei bem disputado.

    Deste vez Catepa foi prioridade absoluta, pois em caso de novo falhanço, não teria como justificar à minha exigente consciência tamanho descuido. No dia em que uma janela de tempo se abriu, anunciei desafiadoramente no Facebook que iria ao bairro que tem servido de arma de arremesso contra o meu Tomessa, num despique apesar de tudo – direi melhor, sobretudo – eivado de tino e vontade de unir.

    Na verdade, ir à Catepa ou ir ao Tomessa, para as pessoas com ligações afectivas reais aos lugares da sua infância, significará sempre um reavivar de emoções que, contas feitas, contribui mais para a unidade da nação que o patriotismo bacoco camuflado em guerrinhas de ideologias, clubes e classes.

    Será por isso que me terão sempre, neste palco ou noutro lugar do mundo, a estender palavras e sentimentos de solidariedade e admiração a todos aqueles que, como eu, engrandecem os muitos Tomessas espalhados por esta Angola que amamos. Ao estilo de figuras como Higino Lopes Carneiro com o seu Kwanza Sul; Jacques Arlindo dos Santos com o seu Calulo; Pedro Mutindi com o seu Cunene; José Luís Mendonça com o seu Golungo Alto; Pedro Nzaji com a sua Catepa ou Toni Sofrimento com a sua Damba, mais genuína ainda, Ndamba… (opais.net)

    Por Luis Fernando

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