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    Tempo difícil para sapateiros

    (Fotografia: João Gomes)
    (Fotografia: João Gomes)

    A arte de fazer ou arranjar sapatos está em vias de extinção. Mas os sapateiros remendões eram profissionais muito procurados no tempo dos nossos avós e pais. Hoje só resta na profissão quem tem amor à arte ou não consegue uma alternativa.

    Hoje só resta na profissão quem tem amor à arte ou não consegue uma alternativa.
    Anastácia Joaquim andava numa das ruas do Rangel, escorregou, caiu ao chão e partiu o salto do sapato. “Meu Deus, agora o que faço?”. A resposta encontrou-a na Rua do Fundão. Um sapateiro, homem com mais de 50 anos repara todo o tipo de “avarias” em sapatos. E se algum cliente quiser um par de sapatos novo, à medida, ele também faz. Chama-se Agostinho Freitas e é um dos poucos sapateiros que sobreviveu à inundação de calçado a preços baixos, praticamente ao alcance de todas as bolsas.
    Agostinho Freiras começou sua carreira na década de 80. Trabalhava na Mutamba e aprendeu a profissão com o dono de uma sapataria. Hoje, a arte que abraçou serve de meio de subsistência à sua família. Mas com muitas dificuldades!
    Agostinho Freitas faz tudo o que for preciso em sapato usados e também faz novos. Ele sabe como o couro se comporta, os pontos que é preciso dar nas solas, aplica saltos e transforma sapatos velhos em novos.
    Com toda a sabedoria, consegue reduzir ou aumentar um sapato até três números. Para isso, disse, não se usa mágica, mas sim arte de mãos. Ele desmonta os sapatos, descose a sola, trata o couro e depois monta tudo manualmente.
    Não é possível aumentar ou diminuir mais do que três números do sapato. O couro não aguenta. Mas, o serviço de Agostinho Freitas custa os “olhos da cara”, como se diz na linguagem popular. “Quando o couro é de boa qualidade e existe profissionalismo, não há defeito que não possa ser consertado. O couro é como uma matéria viva que pode sofrer e depois recuperar”, realçou o sapateiro.
    Quando pedimos dicas sobre a conservação de sapatos, Agostinho Freitas foi taxativo: “ignorem aqueles limpadores de couro vendidos nos mercados e nas lojas de sapatos. Cada tipo de couro exige um produto específico. Não existe um limpador de couro universal. Couro é como a pele. Algum dermatologista pode dizer para todas as pessoas do mundo usarem o mesmo creme?”, pergunta o mestre. Agostinho Freitas arranja saltos partidos ou gastos, põe capas novas nos saltos altos, abre ou aperta os canos das botas altas danificado, limpa o mofo e a humidade nos sapatos e bolsas de couro, põe os sapatos mais folgados ou apertados, o couro velho sem brilho e com desgaste de uso fica novo.

    Profissão em extinção

    Um bom exemplo da paixão pela arte do calçado vem do sapateiro Victor Gajes. Ele está satisfeito com o que conquistou em 20 anos de exercício contínuo da profissão. E fica incomodado pelo facto de não surgirem jovens interessados em aprender as técnicas e “manhas” do ofício que ele iniciou aos 14 anos, num curso profissional.
    Calçado para arranjar há sempre, por mais moderna que seja hoje a indústria dos sapatos. Há sempre um cliente que precisa de aplicar meias solas, um taco para trocar, uma pintura: “o que falta é gente nova para aprender, a profissão e renová-la”, disse Victor Gajes.
    O sapateiro já trabalhou em vários pontos da cidade. Hoje, tal como Agostinho Freitas, também trabalha nas proximidades dos Congoleses, num lugar estratégico, onde há muita gente diariamente. O sue espaço é conhecido como “Sombrinha do Tankista”. Trabalha lá há 20 anos. Ele arranja sapatos, bolsas, mochilas e bolas de futebol!
    E o exemplo de renovação da profissão pode ser observado na sua oficina. O  “Tankista” tem um jovem aprendiz.“Quando eu aprendi a profissão de sapateiro, há quase 30 anos tinha na oficina mais 15 aprendizes, mas somos poucos os que ficamos na profissão. Mas eu estou feliz aqui e não troco de emprego. Só não abro a minha própria sapataria porque não tenho condições.
    O meu negócio é ficar na tranquilidade da minha sombrinha, trabalhando como empregado do povo e recebendo o meu dinheiro sem prestar contas a ninguém”, disse Victor Gajes.
    Apesar de reconhecer que financeiramente a profissão já foi melhor, Victor Gajes não reclama do que ganha nem das horas que trabalha: “eu e a minha esposa, que também trabalha por conta própria, temo-nos contentado com o que ganhamos e damos o nosso melhor para que os nossos cinco filhos tenham tudo o que precisam. Não tenho do que reclamar. Ser sapateiro é bem melhor do que ser cunanga ou delinquente”, diz.

    Peripécias profissionais

    O profissional mete as mãos onde os outros põem os pés. Com a boca cheia de preguinhos, aos quais chama “tachas”, batia o martelo com a cabeça redonda no sapato colocado na forma de ferro. O cheiro do couro é agradável.
    Na oficina de Sampaio da Costa, 63 anos, a maior parte dos quais vividos na profissão de sapateiro, o mestre estava concentrado no que fazia na sua improvisada sapataria, nos Conglenses. Apaixonado pelo que faz, não se considera um sapateiro, mas um artesão do calçado. Quando jovem aprendeu o ofício com um sapateiro experimentado. Sampaio da Costa é conhecido como o “Careiro” porque os seus preços são acima da média. Ele ama o que faz e não se vê a fazer outra coisa. A sua condição física também não o permite. A idade está avançada.
    “Sempre adorei confeccionar sapatos, mexer no couro, não quero deixar esta profissão, mesmo que haja cada vez menos clientes” afirma.A sua primeira profissão foi de mecânico, mas não gostava.
    A vontade de mudar veio quando tinha 15 anos quando passou em frente a uma oficina de sapateiro: “senti aquele cheiro do couro e de repente veio a motivação”, explica.
    Sampaio da Costa trabalha na sua oficina improvisada de manhã à noite: “chego a fazer 15 pares de sapatos por semana. Também faço botas por encomendas.
    As pessoas que recorrem aos meus serviços são clientes há muitos anos e apreciam o trabalho que faço”.Sampaio da Costa diz que na profissão de sapateiro os acidentes de trabalho são muitos: “estamos sempre a picar-nos com a agulha, o martelo às vezes acerta nos dedos, o alicate provoca-nos feridas, que muitas vezes deixam as mãos com defeitos.
    Mas acidentes acontecem em todas as profissões, o único problema é que aqui não temos seguro de saúde”. Apesar de sua idade, ele diz que a dedicação ao trabalho é grande. Chega a ficar até altas horas da noite para acabar encomendas. “Estar aqui é um grande prazer, pois além de fazer o que mais gosto, ainda posso receber os meus amigos”, disse o mestre sapateiro. (jornaldeangola.com)

    Yara Simão

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