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    Liberdade de expressão sem riscos

    Reginaldo Silva
    Reginaldo Silva

    Este ano o 3 de Maio, que é o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, vai assinalar o seu 20º aniversário, desde que a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou a data como tal, sob proposta da UNESCO, dois anos depois da famosa Declaração de Windhoek (DW) ter sido aprovada na capital namibiana em prol de uma imprensa africana livre, independente e pluralista.

    O balanço destes 20 anos à luz da DW, convenhamos, não é muito fácil de fazer nas condições de Angola, se quisermos ser mais definitivos na avaliação da qualidade do produto jornalístico que hoje temos. Anualmente as Nações Unidas escolhem por ocasião desta jornada um tema para reflexão internacional que é dirigido a todos os cidadãos do mundo sem excepção, pois a liberdade de imprensa é verdadeiramente um direito/fenómeno transversal.

    É muito difícil encontrar pessoas que sejam realmente indiferentes aos médias ou que não sejam condicionadas, mesmo sem quererem, pelo seu desempenho no melhor ou no pior sentido, que este relacionamento pode ter/provocar.

    O genocídio do Rwanda fala bem/mal deste pior sentido, que a utilização dos médias pode ter para a vida das sociedades e das pessoas de tal forma que, de lá para cá, o nome de uma rádio, que ostentava no seu frontispício o simpático nome de “Mil Colinas” e até tinha um religioso como principal estrela da estação, passou a simbolizar para todo o mundo o horror, o ódio e a devastação que os médias são capazes de reproduzir quando passam a ser instrumentalizados por interesses políticos contrários aos valores da paz e da tolerância que são a base de qualquer civilização que se preze.

    Este ano as Nações Unidas “decidiram” que é preciso “falar sem risco”, pois, pelos vistos e um pouco por todo o lado, continuam a ser muitas as ameaças e os obstáculos ao exercício seguro da liberdade de expressão nos  médias.

    “Falar sem risco” é pois o lema deste 3 de Maio.

    Nada mau para quem já enfrenta estes riscos há muitos anos, muitas vezes sem fazer a mínima ideia do que se está a passar à sua volta, pois, felizmente para todos nós, a maior parte das ameaças à liberdade de expressão tem ficado nos enunciados dos seus progenitores.

    Falar e, naturalmente, escrever livremente o que pensamos com a nossa própria cabeça sem recearmos por outras consequências para além daquelas que, eventualmente, resultem de alguma falha cometida neste exercício que possa violar direitos de terceiros.

    Neste caso, o termo receio talvez possa ser substituído por um outro, menos relacionado com alguns fantasmas do passado recente que teimam em não abandonar o ringue do presente, apesar de já terem sido copiosamente batidos pela história.

    Para este ano as Nações Unidas/UNESCO escolheram um lema que muito nos sensibiliza, pois há já vários anos, tendo como referência o inicio da década de 90, que na imprensa angolana praticamos este “desporto radical”,  directamente relacionado com a liberdade de expressão, sem outras consequências mais visíveis para o nosso esqueleto.

    Sabemos perfeitamente, como resultado deste exercício público, que de lá para cá, a nossa colecção de “inimigos de estimação” nunca parou de crescer.

    O mesmo temos constatado com a interminável lista dos amigos, numa disputa que, estamos certos, há muito foi vencida pelos segundos, embora saiba que os primeiros continuam por aí de pedra e cal, com a promessa de nunca desistirem.

    Estamos a recordar-nos da época em que no já falecido “Correio da Semana” abrimos a nossa primeira coluna de opinião, ainda “escondidos” num pseudónimo, que viria a transformar-se posteriormente numa das nossas mais conhecidas “imagens de marca” para os devidos e opinativos efeitos, evitando algumas misturas entre alhos e bugalhos.

    O WD nos últimos tempos, para quem ainda não se apercebeu, anda a gozar umas merecidas graciosas, numa altura em que ainda não tomamos nenhuma decisão mais definitiva em relação ao seu cada vez mais incerto futuro.

    Efectivamente tem sido ao nível do “colunismo” que melhor temos exercido na imprensa a nossa liberdade de expressão, numa altura em que a Internet, primeiro com os blogs e agora com as redes sociais, alargou substancialmente este espaço de intervenção, tornando mais difícil a vida dos que ainda pensam que é possível controlar/intoxicar a opinião pública e publicada, como acontecia no passado.

    Enquanto aguardamos pela divulgação dos novos riscos que pesam além fronteiras sobre todos quantos gostam de falar/escrever, sabemos que em Angola estas ameaças podem estar a conhecer uma nova metamorfose.

    Em perspectiva e para além de alguns dispositivos já desdobrados no terreno, parece estar um outro tipo de abordagem menos directa, mas que a prazo se pode revelar mais eficaz.

    A ideia estratégica é tornar esta abordagem menos censurável do ponto de vista da comunidade internacional que continua a olhar para Angola com muitas dúvidas, conforme atestam os seus relatórios mais sensíveis na área dos direitos humanos.

    Sinceramente, gostava de acreditar que da parte dos tradicionais “inimigos de estimação” da liberdade de expressão em Angola tenha havido uma evolução mais positiva no sentido da coabitação com a diferença ser menos cínica do que tem sido até ao momento.

     NA-Texto publicado na Revista Vida/Secos e Molhados/O País (26-4-13)

     

    1 COMENTÁRIO

    1. Está muito bem claro. Os riscos ainda são muitos, mas também temos hoje as redes sociais que muito nos estão a ajudar, e ainda bem elas estão aí, senão até mesmo no colunismo ainda estaríamos a viver a filtragem das nossas ideias.

      Um abraço

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