
Se as reacções da consciência colectiva pudessem alguma vez compatibilizar-se com respostas a quente, a esta altura a sociedade estaria a aplaudir todos aqueles que olham para a chuva como um malefício.
É claro que não faz qualquer sentido –nunca fará – olhar-se para o fenómeno da pluviosidade sistémica como algo indesejado, que oxalá pudesse ser travado à custa de qualquer força sobrenatural. A chuva, na verdade, é o contrário de tudo o que uma fúria momentânea pode sugerir. Será, à semelhança da luz do sol e da correnteza dos riachos e rios, das maiores bênçãos naturais, um feliz e vital contributo à sobrevivência da civilização humana. É assim e ponto final!
Devemos, por isso, perguntar-nos, relativamente aos estragos da chuva, de que lado andam as culpas e os culpados. Há que assumi-lo sem rodeios: do homem!
As chuvas de Luanda – o mote para esta reflexão – não são sequer temporais ou fenómenos duros como as monções famosas no Extremo Oriente. Limitam-se a benéficas e absolutamente generosas precipitações pluviométricas, incapazes de amargurar o dia a qualquer meteorologista de serviço.
O problema não reside na chuva, nem sequer no seu volume de água. A questão é bem mais prosaica: Luanda é que não tem preparação para lidar com o fenómeno, por óbvias disfunções estruturais que ressaltam à vista de toda a gente. Não é preciso sequer entender de planeamento urbanístico, paisagismo, construção civil, arquitectura, engenharia ou qualquer outra ciência ligada à utilização do espaço, para se acreditar nas “culpas” colossais de uma cidade que se desarmou totalmente na batalha contra os estragos potenciais da chuva.
E o mais grave de tudo – como o sublinhou o Presidente da República – é que a cidade sempre foi assim, muito mal servida no domínio das infraestruturas para resistir às visitas cíclicas da chuva. Luanda – é o termo – teme os nove meses que o clima reserva às quedas pluviométricas e deixa-se despir numa sequência tormentosa de vulnerabilidades que, a ciência certa, parece não sugerir saídas vencedoras.
São anos a lidar com o problema e, pelos registos, com muitos sinais de a situação saltar de má a péssima em numerosos pontos identificados.
É óbvio que globalmente a batalha denota vitórias a espaços, como se pode exemplificar tomando como amostra os bairros da Samba e Corimba, que nas décadas de oitenta eram pouco menos do que desaguadouros de calamidades, com a sua rua principal quase sempre fechada à circulação cada vez que chovesse, e as moradias inundadas até perto do tecto. Basta um passeio pelo seu interior para se constatar como quintais, escolas, inúmeras residências, perderam definitivamente valor de uso desde que as célebres precipitações daqueles anos expulsaram moradores, estudantes e gente de inúmeras outras ocupações como a pesca.
Há, sem dúvidas, desolação geral com os estragos que a chuva deixou como rescaldo. Bastava que tivesse acontecido uma única morte humana para ser assim. Infelizmente até aconteceram mais do que uma!
O repto foi lançado mais uma vez e Luanda tem de fazer-lhe face. Não se pode esperar por qualquer tolerância da Natureza, até porque as variações do clima global levam a pensar em situações agravadas no futuro.
Só a competência nos poderá livrar deste ciclo penoso. Fazer o que tem de ser feito, indo buscar, se for o caso, valências ali onde outros lidaram com problemas semelhantes. Seja lá onde esse conhecimento existir, em nome de uma Luanda menos molhada, vale a pena o investimento. Continuarmos com a vulnerabilidade que se repete a cada nova época chuvosa é que não pode ser! (opais.net)
Luís Fernando