
José Bono Martinez não é um político europeu qualquer. Foi presidente do Parlamento espanhol e ministro da Defesa. É conhecido no meio político em Espanha como um líder nato, com carisma e personalidade forte. Disputou com o ex-primeiro ministro José Luís Zapatero uma das mais renhidas eleições pela liderança do PSOE, e perdeu por escassos nove votos.
Em Angola pela terceira vez, desta como conferencista convidado pelo Centro Nacional de Estudos Estratégicos, José Bono Martinez partilhou a sua visão sobre o mundo e em especial sobre o papel de África, numa entrevista exclusiva ao Jornal de Angola.
Jornal de Angola – Com que impressão ficou neste seu novo regresso a Angola?
José Bono Martinez – É um país que avança com força e com determinação pelo bem-estar, que é cada vez mais evidente pelo desenvolvimento das suas infra-estruturas.
JA – Que significado atribui à estabilidade no contexto actual?
JBM – É uma das condições fundamentais para o progresso. A instabilidade conduz à crise e os mercados internacionais valoram entre os seus parâmetros a estabilidade política, como uma variável muito cara e cobiçada.
JA – Qual a sua visão sobre a crise do sistema financeiro mundial?
JBM – Vivemos num mundo em que não existem fronteiras para o capital e tão pouco leis. É o capital que impõe as leis. E aqui surge um conflito grave para a Humanidade, pois não faz sentido que se internacionalizem os mercados, que se internacionalizem os capitais, mas não se internacionalize a legislação e a governação. Estamos a cada dia mais necessitados de globalizar as leis e de caminhar para fórmulas de governo mundial.
JA – O Presidente angolano defende uma visão positiva sobre a crise financeira mundial. Como uma oportunidade para os países explorarem novos modelos para uma cooperação mais justa e reciprocamente vantajosa.
JBM – Estou plenamente de acordo com o Presidente José Eduardo dos Santos. Na medida em que a crise também pode ser vista como uma oportunidade. Daí que Angola tenha um nível de crescimento e que as palavras do seu Presidente se convertem gradualmente em realidade.
JA – Porque considera as fronteiras uma forma de preconceito?
JBM – As piores fronteiras não são as fronteiras geográficas, mas as fronteiras mentais. São as daqueles que se consideram melhores e estabelecem fronteiras com quem eles crêem ser piores. São as daqueles que acreditam ser donos da verdade e estabelecem fronteiras com quem eles pensam que estão errados. As fronteiras geográficas tendem a desaparecer e as mais graves são as fronteiras mentais, e os mais egoístas, os mais néscios e os mais dogmáticos são os que preferem mantê-las para melhor aproveitarem os seus privilégios.
JA – Veio a Angola falar do Oceano Atlântico, que é, no fundo, um elemento que a História demonstra ter sido indevidamente explorado.
JBM – O Oceano Atlântico tem que ser um Mar de entendimento, um factor de unidade. Um elemento propiciador de criação de estratégias de confiança entre países costeiros. Não pode ser um factor de instabilidade, de desconfiança e de conflito.
JA – Qual pode ser o papel do Atlântico Sul?
JBM – O Atlântico Sul pode ser uma oportunidade do ponto de vista da segurança, da defesa e do desenvolvimento económico. Não se pode ignorar que o Atlântico Sul é uma esperança e que entre as dez economias mais importantes do mundo figuram Angola, Nigéria, Chade, Moçambique, Ruanda e Etiópia. Este é um dado verdadeiramente significativo.
JA – A crise financeira tornou o sistema financeiro multipolar?
JBM – O umbigo do mundo não existe. E se alguma vez existiu já não é a Europa. Está talvez mais próximo de países emergentes como é o caso do Brasil, da Índia, do México, de Angola ou da China, do que da Europa.
JA – Iniciativas como o Banco do BRICS, com sede na África do Sul, confirmam o descrédito das instituições que foram criadas em Bretton Woods?
JBM – Não creio que a partir da Europa se deva diabolizar outras iniciativas apresentando-as como se tratassem de predadores capitalistas saqueando África. Não foi, por acaso, isso mesmo que a Europa fez durante séculos? Devemos encarar com bons olhos qualquer iniciativa que tenha por objectivo proporcionar um desenvolvimento equilibrado e mais justo. Há é que ver com receio qualquer plano que seja realmente depredador.
JA – Porque considera fundamental que as lideranças africanas dediquem mais atenção às políticas viradas para a juventude?
JBM – Em África 70 por cento da população tem menos de 30 anos. Seria um suicídio ignorar que estamos perante um continente jovem, com ideias novas e que não convém aplicar-lhes os mesmos critérios e clichés que foram utilizados há 60 anos.
JA – Na sua conferência referiu-se a algo relacionado com a publicidade nas ruas de Luanda. O que era realmente?
JBM – Notei, desde que sai do meu hotel, que a imensa maioria dos anúncios têm a ver com empresas de telefonia. Quer dizer que em Angola o consumo de informação é quase tão importante como qualquer outro bem de consumo comum. Isso é uma prova mais do desenvolvimento do país. Os cidadãos angolanos consomem muita informação e essa informação é livre. Essa é uma condição necessária para o desenvolvimento harmonioso de uma nação.
JA – Qual o papel da defesa no desenvolvimento económico e social de um país?
JBM – Não quero dar lições a ninguém. Apenas a minha opinião sincera. Sem uma defesa eficaz não há segurança e sem segurança não há desenvolvimento.
JA – O que esperar do fórum económico que Madrid acolhe este mês?
JBM – Vai ser um acontecimento muito importante, onde vão participar vários ministros e empresários angolanos.
JA – Que importância dá ao facto de Espanha ter sido o segundo país a reconhecer Angola, em 1975, como nação independente?
JBM – É evidente que o pronto reconhecimento de Angola como Estado independente, as relações posteriores, a presença recente do nosso ministro das Relações Exteriores em Luanda e as múltiplas relações pessoais e empresariais de Espanha e Angola, são a demonstração de que são países irmãos.
JA – Que avaliação faz da relação Angola e Espanha?
JBM – É magnífica. Não temos nenhum contencioso, nenhum problema. Estamos felizes com crescimento nas relações económicas e empresariais num ritmo mais alto do que a imensa maioria dos países africanos.
JA – Luanda e Madrid estão cada vez mais próximas?
JBM – A resposta é a própria realidade. São muitos anos de Angola que pensa já em Espanha sem necessidade da mediação de Portugal. Espanha converte-se num interlocutor directo, sem necessidade de intermediários. Considero isso muito positivo. (jornaldeangola.com)