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    TAAG voa mais alto

    edicao_35A primeira fase da “refundação” da Taag 
já terminou. Hoje, a companhia pode voar para 
os aeroportos europeus e acabou de passar 
em mais uma auditoria internacional de segurança. Outras boas notícias são a renovação da frota (no mês passado, foram comprados mais três Boeing 777-300 ER) e os aumentos das rotas 
(14 países) e do número de passageiros (1,2 milhões). As más notícias são os resultados operacionais negativos (acima dos 100 milhões de dólares), 
as deficiências no reporting (contas de 2011 
não foram homologadas) e a qualidade 
do atendimento ao cliente. Estas serão 
as prioridades da administração para 2013. 
Isto é… se a equipa for reconduzida em Junho

    Rui Carreira: 
“Receitas aumentaram 20%, no ano passado. 
Mas a redução de 
custos continua aquém 
do necessário”

    A missão, como se sabe, não é fácil. Desde 2008 que a Taag passou a ter no cockpit dois comandantes experimentados. Araújo Pimentel é um gestor profissional com três décadas de carreira no sector: na Taag e em duas companhias africanas. Rui Carreira, o “operativo” como gosta de ser chamado, com sólida formação em Direito e Gestão, começou a carreira como piloto (militar e civil) e conhece os bastidores da companhia como a palma da mão. Ambos foram nomeados por Augusto Tomás (primeiro para liderarem a comissão de gestão e, a partir de 2010, como administradores), que se mantém como titular da pasta dos Transportes.

    Na altura, o “trio” foi o rosto visível do esforço empreendido pelo Governo (envolveu os ministérios dos Transportes, da Economia e das Finanças) para “refundar” a Taag. É que a companhia angolana de bandeira estava em rota de colisão rumo a um desastre eminente. Os alarmes tinham soado em 2007, quando a transportadora entrou para a lista “negra” da União Europeia por, alegadamente, ter reagido com sobranceria (ou melhor dito, por não ter sequer reagido) às “recomendações” técnicas das instituições internacionais. A missão prioritária da nova equipa foi, obviamente, a de inverter essa trajectória suicida em termos de imagem (externa e interna). “Consolidámos os processos do ponto de vista de organização e de segurança de voo, ou seja, cuidámos dos processos de motorização, acompanhamento, manutenção e cumprimento das normas aeronáuticas”, frisou Rui Carreira.

    taagO desafio foi cumprido. A Taag tem passado incólume nas rigorosas inspecções Iosa, da IATA (International Air Transport Association), incluindo a última, realizada em Janeiro (o relatório final só será publicado em Abril, mas já é do domínio público que a prova foi superada). Mas a viagem foi turbulenta. Sofreu um duro revés quando, em Dezembro de 2010, surgiram dois acidentes com um Boeing 777, em pleno voo, em duas rotas internacionais “estratégicas”: a de Lisboa (a mais lucrativa) e a do Dubai (que tinha sido inaugurada dois anos antes). A Taag bem argumentou que os acidentes resultaram de anomalias no motor da responsabilidade do fabricante (General Electric — GE), que não foi particularmente lesto em assumi-las (só viria a assinar um comunicado conjunto, em Maio e, alegou, depois, que terão sido detectados vestígios de combustível em más condições).

    “Tivemos muito azar”, recorda Rui Carreira. “O problema com o voo de Lisboa foi mediatizado devido à largada de detritos que caíram numa zona residencial. Logo a seguir, veio o da rota Dubai. O público ficou com a ideia de serem acidentes com aviões diferentes. A verdade é que os dois motores que deram problemas, pertenciam ao mesmo Boeing, só que um deles tinha sido trocado para se fazer uma manutenção rotineira.” A suprema ironia é que a Taag tinha assinado com a GE um programa para a manutenção, reparação e vistoria de motores em Janeiro desse ano.

    taag ultrapassou a tap na rota de lisboa

    taagcronoOutra ironia, igualmente dolorosa, é que a companhia saíra da referida “lista negra” da União Europeia poucos meses antes (em Março). Aqui importa fazer uma precisão. Numa primeira fase, em 2007, a proibição de voar para a Europa era total (“anexo A” da lista). Em 2009, houve um levantamento parcial. Ou seja, a Taag podia voar para um único destino (a companhia escolheu Lisboa) com os Boeing 777. Só no ano seguinte (2010) é que surgiu o levantamento total. Ou seja, hoje, a Taag já pode voar para qualquer aeroporto europeu, embora ainda se mantenha no “anexo B”. Infelizmente, continuará a manter-se, tal como esclarece Rui Carreira, enquanto mantiver na sua frota os 737-200 (usados para voos domésticos). Existe ainda um problema adicional que se prende com a homologação internacional do INAVIC (Instituto Nacional da Aviação Civil).

    O passo de gigante dessa estratégia foi dado em 2011, com a “reforma” dos 747 e a entrada em cena de dois Boeing 777-300ER, as novas “estrelas” da companhia, que possibilitaram o alargamento das rotas (hoje, a Taag viaja para 17 destinos, em 14 países). Em paralelo, a companhia apostou na melhoria do conforto dos 777-200 ER e no reforço das parcerias internacionais (hoje, oferece voos directos para mais nove países, em regime de code share). Já no início deste ano, o ministro dos Transportes anunciou a compra de três novos Boeing 777-300ER (os dois primeiros serão entregues em 2015 e o último em 2016). Cada aeronave está avaliada em 350 milhões de dólares, mas, tal como sucedeu com a compra do último lote, a Taag obteve um desconto de 52,4%, pelo que cada avião sairá ao preço de 160 milhões a 170 milhões de dólares. O investimento total (na ordem dos 500 milhões) não sairá do Orçamento Geral do Estado, mas, sim, de financiamentos internacionais garantidos pelo Estado.

    Ficou ainda acordado que a Taag poderá adquirir mais três aeronaves em 2019 e 2020. “Poderão ser entregues antes, se as necessidades de crescimento e expansão da empresa o justificarem”, afirmou Araújo Pimentel. Recorde-se que a Taag transportou 1,2 milhões de passageiros em 2012, o que traduz um crescimento de 14%. Para este ano, a empresa projecta manter esse ritmo de expansão na casa dos 13%.

    paris e londres são prioridades de expansão

    taagfrotaQuando os novos 777-300 estiverem a operar, a Taag poderá dar um novo salto no número de destinos e de passageiros transportados. Araújo Pimentel já exprimiu o desejo de voar directamente para as grandes capitais europeias como Paris e Londres, “assim que as condições o permitam” (ou seja, quando houver aviões disponíveis). Rui Carreira acrescentou à EXAME que os Estados Unidos também são um destino promissor. “Chegámos a ter um acordo com a Delta, em 2010, que foi interrompido poucos meses depois. Vale a pena repensar o assunto, pois nós temos estudos que provam que grande parte dos passageiros que vem da Europa, são americanos que trabalham na indústria petrolífera angolana, forçados a fazer escalas em aeroportos como Frankfurt, Amesterdão, Londres ou Paris”, esclarece.

    Outra hipótese de crescimento é o reforço das frequências para os destinos actuais. Hoje, a companhia faz nove ligações para Portugal (todos os dias para Lisboa e mais duas para o Porto — que se revelou um sucesso comercial). A rota é reforçada nos picos sazonais (em Agosto e, sobretudo, em Dezembro) mas, se o volume de tráfego se justificar, a Taag está autorizada a fazer mais três voos semanais. “Desde a chegada dos novos aviões que a nossa quota de mercado, que hoje deverá rondar os 54%, ultrapassou a da Tap.” A segunda rota mais importante da companhia (Rio de Janeiro e São Paulo, que somam sete voos por semana) também é lucrativa, mas, segundo o administrador, “tem registado alguma desaceleração devido à crise dos diamantes e à redução do número de expatriados de grandes construtoras como a Odebrecht”.

    taagmapaHá mais duas rotas em ascensão: Dubai (dois voos) e Windhoek (sete). Na primeira, a componente de carga é muito importante. Na segunda, mais procurada para o lazer e as compras, a dispensa de vistos de turismo para a Namíbia é uma vantagem. Mas é precisamente pelo mesmo motivo (embora, neste caso, pela negativa) que a procura das rotas de Joanesburgo (quatro voos) e da Cidade do Cabo (dois) tem decaído (sobretudo a primeira). Já Pequim (um voo semanal) e Havana (um quinzenal) registam boas taxas de ocupação (acima de 80%), mas são deficitárias. “Só a partir das três frequências é que as rotas se tornam interessantes, pois há uma maior diluição dos custos fixos. No caso de Pequim, há ainda o problema do voo ser longo. Temos de reforçar a tripulação, o avião tem de partir com mais combustível e fica muito tempo parqueado”, justifica.

    Nos voos regionais, a Taag liga as principais cidades africanas directamente através das rotas Brazzaville/Bangui/Douala; Harare/Lusaka; São Tomé e Praia (as duas últimas beneficiam do facto de haver uma grande comunidade de são-tomenses e de cabo-verdianos a residir Angola). Através de code share, também serve Maputo, Nairobi e Casablanca (a ligação a Kinshasa foi interrompida, em 2009, devido à instabilidade política). As rotas domésticas, embora tenham boas taxas de ocupação, são deficitárias. “Mesmo com o avião cheio, perdemos dinheiro. O preço dos bilhetes não compensa os custos operacionais”, justifica.

    orçamento prevê prejuízos de 130 milhões

    Outra medida associada é a redução do consumo de combustível, um programa designado Green Teal, composto por 24 iniciativas, que no ano passado permitiu poupanças de 35 milhões de dólares e reduções de 41 milhões de toneladas de emissões de carbono (veja EXAME n.º 34). “Mantendo-se acautelada a segurança de voo, decidimos, por exemplo, reduzir o transporte de combustível extra para permitir que o avião, com menor peso, tenha menor consumo. Com o mesmo objectivo, as tripulações foram orientadas a reduzir a altitude de aceleração, a recolher os flaps mais rapidamente e a utilizá-los o menos possível nas aterragens dos 737-200, em pistas mais longas”, refere o gestor.

    taagestrelasOutros custos importantes são os serviços de apoio, como a manutenção e o catering (refeições a bordo). As operações de manutenção menos complexas são feitas em Angola. Nas restantes, opta-se pela melhor relação qualidade/preço. A Taag usa as facilidades da Tap Maintenance & Engineering, no Brasil, e recorre a outras unidades no Dubai, Pequim, Lisboa e Estados Unidos. “Em Angola, não temos hangares que suportem um 777 e ainda existe escassez de técnicos. Por outro lado, como a frota é pequena, temos menos flexibilidade quando precisamos de substituir os aviões. Essa é uma das razões porque os voos atrasam, dado que o avião não parte sem antes ter passado em todos os testes. E se surge um problema não temos alternativas para evitar o tempo de espera”, justifica Rui Carreira. Outro constrangimento é a exiguidade do aeroporto de Luanda. O novo, em construção na zona do km 30, arredores de Viana, e que pretende ser um dos maiores de África (representa um investimento de 300 milhões de dólares e terá uma capacidade para 13 milhões de passageiros), só deverá estar operacional em 2015 ou 2016. Os custos de catering também sofreram poupanças substanciais (estimadas em 15%) com a chegada da LSG Sky Chefs Taag Angola, capaz de produzir 6 mil refeições por dia. A empresa foi criada em Agosto do ano passado e resulta da parceria entre a LSG Sky Chefs, líder mundial, que pertence ao grupo alemão Lufthansa (com 40% do capital), Taag (35%), Angola Air Catering (20%) e Enana (5%), entidade que gere o aeroporto de Luanda. Serve, sobretudo, os voos intercontinentais, sendo os restantes fornecidos pela Maboque com quem existe um acordo válido até 2014.

    rácios de pessoal estão acima da media

    Outra parcela muito significativa de custos são os relativos ao pessoal. A Taag, tal como os responsáveis já reconheceram, tem uma estrutura sobredimensionada. Hoje, emprega 3700 pessoas, estando acima das médias internacionais em todos os rácios (número de trabalhadores por avião ou por horas voadas). “Segundo os nossos cálculos, deveremos ter cerca de 1500 trabalhadores excedentários”, diz Rui Carreira. A empresa prosseguiu um programa de reformas antecipadas voluntárias, que era para abranger 500 funcionários e acabou por chegar aos 960. Tal esforço não foi, porém, suficiente. “Em 2000 tínhamos 3500 empregados, hoje temos 3700. É que, entretanto, tivemos de reforçar os quadros, sobretudo pilotos e assistentes de bordo. Esse esforço vai continuar se quisermos ampliar as rotas e as frequências. Pelas nossas contas precisaremos de recrutar mais 500 pessoas.”

    taagvoamaisOra, fazendo as contas (e a conclusão é da EXAME) se há 1500 excedentários e se a companhia precisa de 500 novos quadros, isso significa que deveria dispensar 2 mil trabalhadores. É uma equação complicada. Até porque os “custos de contexto” de Angola, tais como as falhas de energia ou do sinal de internet, fazem com que a companhia precise de mais funcionários do que aconselham as estatísticas internacionais. Depois há a legislação laboral (a Taag é detida pelo Estado), que impede as saídas compulsivas. Por fim, há os custos salariais elevados (acima dos praticados nos outros países africanos). A solução que tantas outras companhias internacionais têm seguido — recurso a alianças, fusões ou criação de megacompanhias como a recém-anunciada entre a United e a American, que será a maior do mundo — não serve para a Taag, dado que o Executivo quer mantê-la como companhia de bandeira.

    chegar a três estrelas foi objectivo falhado

    Há outras notícias positivas, no que se refere aos recursos humanos. Rui Carreira orgulha-se da média de idades dos funcionários que passou dos 48 anos, em 2008, para os 43, em 2013. Outra razão de orgulho são os programas de formação em curso em todas as áreas da empresa (caso da manutenção, segurança, logística, operação de terra, área comercial e financeira). Há cerca de três anos, foi criada a Taag Corporate Academy, um programa dirigido a quadros de elevado potencial (licenciados que recebem seis meses de formação específica para a aviação) que visa criar os futuros líderes da empresa. E este mês, arrancam os cursos técnicos de manutenção aeronáutica.

    A missão da equipa de gestão é a de reforçar os designados “quatro C” (crescimento, capacitação, cliente e controlo). As coisas não estão famosas no que respeita aos dois últimos C. No “controlo” basta recordar que o ministro se recusou a  homologar as contas de 2011, devido ao parecer adverso da auditora Ernst & Young. A ironia é que isso até foi uma evolução. Nos anos anteriores, a auditora dizia que não tinha condições para elaborar um parecer.

    O “cliente” continua a ser o “calcanhar de aquiles” da empresa. Uma das metas da administração era o de chegar à pontuação de três estrelas no ranking de qualidade da Skytrax. Considerado uma referência mundial do sector é baseado na pontuação de auditores da consultora que viajam (no mínimo em três ocasiões), na condição de “passageiro-mistério”. Em termos gerais (veja resultados acima), a Taag manteve as duas estrelas conquistadas em 2010 (abaixo das congéneres da Namibia, Egipto, Quénia, Moçambique, Cabo Verde, Tunísia e Nigéria, todas com três estrelas, ou da South African Airways, a única do continente com quatro). As excepções, foram as três estrelas conquistadas na primeira classe dos voos internacionais e as 2,5 na classe executiva dos voos domésticos. Entre os itens mais bem pontuados destacam-se os padrões de segurança da cabina e a apresentação do pessoal. Os mais negativos (pontuados com apenas uma estrela) são, por exemplo, os transfers no aeroporto, a oferta de jornais e revistas a bordo e o entretenimento nos voos de menor duração.

    mais de 14 mil têm um cartão de fidelidade

    taagNão obstante este revés, não se pode dizer que a Taag não tenha feito progressos no serviço ao cliente. O mais significativo foi a redução dos atrasos (Rui Carreira afirma que a Taag tem um programa de tolerância zero em curso). O mais visível, porém, foi o programa de fidelização Umbi Umbi (nome de um pássaro comum na fauna angolana que, segundo a lenda, quando aparece numa aldeia isso é um prenuncio de boas novas). E, de facto, o cartão dirigido a passageiros frequentes (onde é possível trocar as milhas acumuladas por viagens) regista 14 127 utilizadores (dados de Janeiro). Outras “boas novas” foram a criação de um inquérito de satisfação e de um endereço electrónico para reclamações (ambos disponíveis no site) ou a linha telefónica de denúncia (com menos aderência do que a anterior). O check-in on-line, o check-in expresso, a possibilidade de se comprar bilhetes através do multicaixa ou o sistema de monitorização electrónica (etiquetagem) das bagagens são outros exemplos de inovações tecnológicas apreciadas pelos clientes.

    Mas a administração da Taag está consciente de que é preciso ir mais longe. “Na primeira fase do nosso mandato, dedicámo-nos a áreas menos visíveis, mas que eram prioritárias, nomeadamente a segurança e o cumprimento das normas aeronáuticas. Agora podemos dedicar-nos a outros aspectos menos técnicos, relativos à relação com os clientes e fornecedores. Este ano, vamos dar prioridade às áreas comercial e financeira e, sobretudo, ao serviço. Temos um plano ambicioso para a formação intensiva em atendimento ao cliente”, afirmou.

    Ao que a EXAME apurou, o curso envolve cerca de 1700 formandos — desde assistentes de bordo, ao pessoal em terra, aos pontos de venda físicos e electrónicos. Vai decorrer durante um ano, cerca de duas vezes por mês, em sala de aula e com simulações práticas, existindo uma avaliação de desempenho no final da formação.

    Em paralelo, terá de ser feito um esforço de preparação de pilotos e assistentes de bordo a pensar na altura em que chegarem os novos aviões A própria administração da empresa também será avaliada. O seu mandato termina em Junho, pelo que, nessa altura, o ministro terá de decidir se será, ou não, reconduzida.

    A seu crédito estão pontos como a recuperação da imagem da empresa, a passagem nas auditorias de segurança da IATA, o aumento do número de passageiros (em 2011, era a 10.ª maior do continente nesse critério — veja ranking à direita), a aposta na formação e a introdução de novos serviços (em particular, o check-in on-line). A débito estão a manutenção dos resultados operacionais negativos, as deficiências no reporting e as lacunas no atendimento (diagnosticadas no referido relatório da Skytrax). Rui Carreira confessa estar tranquilo pois existe “obra feita”. Agora, resta saber quantas estrelas atribuirá o ministro aos “comandantes” da Taag.

    Um piloto que mudou de cockpit

    rui carreira adiministrador da taagRui Carreira faz jus ao apelido. A sua “carreira” é algo desconcertante. Começou aos 18 anos de idade, como piloto da Força Área. Primeiro na União Soviética onde teve de dominar a língua (também fala fluentemente francês pois estudou em Paris durante dois anos) e só depois em Angola. Em 1992, passou a ser piloto da aviação civil. Primeiro na SAL — Sociedade de Aviação Ligeira, depois na Sonair e finalmente na Taag. Em 2008, mudou de cockpit. Foi convidado a integrar a comissão de gestão da companhia em acumulação com o cargo de coordenador-adjunto do comité de refundação. Dois anos depois, chegou ao topo da hierarquia (administrador) onde é responsável pela área de operações. Apesar de hoje vestir fato e gravata (excepto às sextas-feiras, onde segue o ritual da roupa informal) ainda não despiu a farda de piloto (é presidente do conselho da Associação de Pilotos Angolanos).

    A sua formação académica não é menos desconcertante. Chegou a fazer um curso técnico de Electrotecnia (especialidade essencial para futuros pilotos), mas acabou por se licenciar em Direito (profissão que nunca chegou a exercer) e fez um mestrado em Finanças Empresariais.

    Frequentou também o primeiro PADE (Programa de Alta Direcção de Empresas), uma parceria entre a Angola School of Business e a portuguesa AESE (por sua vez ligada ao IESE de Espanha) o que obrigou a ter períodos de formação em Luanda, Madrid e Lisboa. Eis, portanto, um caso singular de um potencial advogado que acabou como administrador da companhia onde começou a trabalhar… como piloto.

    A verdade é que todas essas experiências foram úteis para o cargo actual. O facto de dominar as áreas técnicas permite-lhe falar com conhecimento de causa, quer com o pessoal da manutenção e apoio em terra quer com os pilotos. Os conhecimentos de Direito permitem-lhe um diálogo mais fácil com as comissões de trabalhadores e a compreensão das sempre intricadas questões legais.

    Já a arte da gestão é testada todos os dias. É que Rui Carreira é daqueles gestores que gosta de “pôr a mão na massa” (ele define-se a si próprio como um “operativo”). Quando a EXAME o desafiou a fazer uma sessão fotográfica em plena pista do Aeroporto 4 de Fevereiro, foi visível o “à-vontade” e a familiaridade com se dirigia aos funcionários dos vários níveis hierárquicos. Afinal ele conhece os meandros da companhia como a palma da mão.

    atrasos: tolerância zero  

    Mas nem sempre é preciso deslocar-se ao terreno para “tomar o pulso” à organização. No seu gabinete, com vista para a pista de aviação, estão dois monitores. O primeiro é um computador semelhante ao usado pela maioria dos executivos. O segundo, mais pequeno, tem um software que lhe permite saber, em tempo real, o que acontece em cada voo. Deste modo, ele consegue, entre outras informações, controlar os horários de partida e chegada e ter acesso aos motivos que justificam os eventuais atrasos. No dia em que visitámos o seu gabinete, havia muitos voos sinalizados a vermelho. “Basta atrasar um minuto e dispara logo o alerta. Desde 2010 que nós estamos em regime de tolerância zero, no que respeita à pontualidade”, justifica.

    E a verdade é que, em 2012, a companhia registou o menor índice de atrasos (a pontualidade, ao que diz, é superior a 80%). Este ano, não está a começar tão bem, mas Rui Carreira é “tolerante”. “A meteorologia não tem ajudado nos voos internos. Para mais, a nossa frota é reduzida, pelo que não permite substituições rápidas”, justifica.

    Quanto às criticas em relação aos preços das tarifas ele tem resposta pronta: “Os bilhetes são caros porque os custos em Angola também são mais elevados. Basta dizer que nos voos internos perdemos dinheiro, mesmo quando o avião está cheio. E nas rotas internacionais mais importantes procuramos ter tarifas abaixo das rivais directas.” Quanto aos reparos sobre a qualidade do atendimento, reconhece que “a prestação ao cliente ainda é um desafio. Desde a compra de bilhetes, ao check-in e serviço a bordo. Ainda há muito trabalho a fazer”, diz em síntese.

    No campo pessoal, Rui Carreira é tido como uma pessoa afável e popular (a título de curiosidade, tem mais de 4500 amigos no Facebook). Adepto do Petro, em Angola, e do Benfica, em Portugal, praticou futebol, basquetebol, natação e judo. Nas horas livres, gosta de tocar viola e o fim-de-semana perfeito é passado de barco no Mussulo com a família. A sua frase favorita é: “O futuro não se prevê; prepara-se.” Um plano de voo que procura respeitar à risca no cockpit da Taag.

    Jaime Fidalgo (Exame Angola)

     

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