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    As lições de Capanda e a política energética nacional

    Cada vez que ocorre uma crise de energia mais aguda, questionam-se publicamente os fundamentos da política energética nacional e com razão. Sou dos que melhor compreende o desconforto porque passam os responsáveis deste sector vital, mas também devo dizer que uma informação de melhor qualidade ajudaria muito a formar uma opinião pública mais favorável. E por isso não resisto em trazer de novo o tema a este espaço, até porque não fica bem acusar a mãe natureza pelas falhas de energia, sendo que a natureza não mudou assim tanto.

    Foi um erro passar a idéia de que a barragem de Capanda era a chave do problema energético nacional. Porque uma barragem não faz um sistema, muito menos tendo as características de Capanda. E o pior é quando se confunde potência nominal, com potência garantida.
    Para entender a questão de fundo é necessário recorrer ao chamado “factor de capacidade”, um parâmetro que se obtém dividindo a energia disponibilizada pelos sistemas de produção, pela energia máxima que poderia ser produzida. Na produção hidroeléctrica este factor tem a ver com  três aspectos:
    (1)    hidrologia do rio – o caudal dos rios não é constante;
    (2)    paragens obrigatórias para manutenção e;
    (3)     perfil de carga.
    Nos aproveitamentos hidroeléctricos este factor raramente ultrapassa os 60%. Na Europa situa-se nos 35%, no Brasil ronda os 55%, em média.  Há excepções, como Itaipu e Ingá, mas não é o caso de Capanda, onde o factor de capacidade pouco beneficia de um reservatório relativamente pequenop para a potencia em jogo (3,5 km3). Porque à medida que se turbina água do reservatório, a queda diminui. Só em aproveitamentos a jusante, um reservatório de cabeceira como este, tem efeito apreciável.
    O factor de capacidade de Capanda nunca foi divulgado, mas pelos dados disponíveis não é de admirar que a sua potencia garantida (a chamada energia firme), em anos muito secos, fique abaixo dos 40% da potencia nominal, o que é típico de uma barragem sazonal. Note-se que com quatro máquinas, a potencia garantida é sempre inferior a 75% da potencia nominal. O Kuanza é um rio muito variável (caudais de 100 a 3600 m3/s). Há também alguns sinais de declínio do seu potencial hidroeléctrico, resultante da degradação das suas bacias e aqüíferos. Já nos referimos aqui à desertificação do centro-sul de Angola.
    Por isso quando se diz que o potencial do Kuanza é de 7 GW, é preciso clarificar que o potencial garantido é inferior a esse valor. Pporque há anos secos e os reservatórios previstos são relativamente pequenos.
    Dadoa que a nossa produção hídrica tem baixo factor de capacidade, é penalizador não ter produção térmica complementar, estável, concentrada e bem planeada. Pelo menos enquanto o consumo estiver acima da potencia hídrica garantida. Por isso, também tem sido um erro estratégico encarar sistematicamente a produção térmica como de emergência.
    Em suma, terá faltado uma visão de conjunto ao não combinar o investimento em Capanda com o reforço de Cambambe, para melhorar a produtividade média, já que o custo deste reforço era marginal.
    As recentes decisões de modernizar Cambambe e construir Laúca corrigem o problema, permitindo tirar a prazo, algum partido do pesado investimento feito em Capanda, obtendo no conjunto uma potência nominal de 3,5 GW.
    Não foi divulgada a potência garantida desta combinação de barragens, o que seria bom fazer-se.
    Entretanto, é necessário repensar o sistema energético nacional como um todo, traduzindo esse pensamento num livro branco sobre a segurança energética e que inclua, nomeadamente a reavaliação e preservação do potencial hidroeléctrico nacional e um plano de contingência energética.
    J. G. MATOS
    (Economia & Mercado)

    1 COMENTÁRIO

    1. Caro Matos,
      Concordo com a análise feita e gostaria de acrescentar alguns factos…
      1- O plano que existia no passado era de “começar a construir Capanda algo por volta de 1995″…
      2- Antes da construção de Capanda havia que:
      a)- Controlar o caudal do rio ( lembro-me de ter lido sobre o assunto embora não saiba bem o que isso signifca )
      b)- Altear Cambambe
      Só depois se começaria a construção de Capanda.
      Lembro-me também de ter lido que o preço a energia iria sofrer uma ligeiro acréscimo para custear 20 anos mais tarde a construção de Capanda.
      Para além destes factores existem outros a considerar… O Consumo….
      O consumo no passado era bem inferior ao que é hoje. Lembro-me da cidade onde vivi consumir apenas 900Kw e o gerador nem estava em pleno…
      O consumo aumentou, a “citizição da população” criou também o “consumo concentrado”.
      E … A rede de distribuição… Por exemplo no Huambo arrancou o Gove mas “não tinha rede de distribuição preparada” e pelo que sei, não se pode “colocar a barragem a trabalhar” porque a energia tem que “ser consumida”…

      Em suma… O Programa do Mpla, que ganhou as eleições, diz que se pretende atingir, SE&O 5Gw nos próximos 5 anos… Não compreendi muito bem se é “5 Gw somando o que já existe ou se são 5Gw novos” …

      EM qualquer dos casos… PENSO que os angolanos têm que ser chamados um bocado mais para falar de forma aberta sobre este assunto. Neste momento existem verbas que vão directo para a energia através da linha do BRazil e eu acho que TEM QUE COMEÇAR a serem questionadas essas verbas… Afinal a Oderbrech, supostamente especialista nestas coisas e fornecedora de grande parte das obras que nesta area são feitas e utilizadora de 90% da linha Brazil que tem, pelo que sei 50.000 barris de petróleo por dia e que recentemente aumentou, NÃO ME PARECE que esteja a apresentar soluções correctas.
      Entendo que quem deve traçar as directivas devem ser os Angolanos que que os “fornecedores fornecem” MAS parece-me que neste caso, um parceiro que trabalha com este dinheiro garantido desde os anos 70, talvez devesse ter um papel mais activo e aconselhador mais activo.

      Por último… PORQUE não se aposta a SÉRIO nas mini-hidricas ??? Afinal Angola tem “n” rios ao lado de práticamente todas as cidades de Angola. Nem todos terão condições para fazer as mini-hidricas MAS acredido que em muitos será possível.

      A utilização das mini-hidricas “alimenta” os municipios e ao mesmo tempo poderá podenciar a rede Nacional quando esta existir… Acaba também com os geradores de alternativa que actualmente existem… E ainda acaba com a CRITICIDADE da rede de distribuição de longa distância.

      Não sou especialista na matéria MAS pelo que leio e sei das conversas que tenho com profissionais da área, os angolanos NÃO ESTÃO a ser chamados da forma devida a opinar sobre este assunto… Penso que deveria ser aberta a discussão à comunidade para se “estudarem soluções” com espirito NACIONALISTA E não espirito de NEGOCIANTE.

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