As mulheres dos 21 efectivos do Camando Provincial de Luanda que respondem em julgamento, no Supremo Tribunal Militar (STM), por estarem supostamente envolvidos no assassínio de dois oficiais da corporação e o desvio de três milhões e setecentos mil dólares, revelaram a O PAÍS que eles foram aliciados a incriminarem-se uns aos outros em troca da liberdade.
Rosa Ferreira, mulher de António João (ex-chefe da Direção Provincial de Investigação Criminal), conta que na altura em que o seu marido foi preso, foi retirado da cela no período da noite, num dos dias, por dois supostos investigadores da Procuradoria-Geral da República, identificados apenas por Beato e Coelho. Estes alegaram ser mandatados pelo seu superior hierárquico e propuseram-lhe que incriminasse os seus colegas em troca da liberdade e de ficar ilibado de qualquer responsabilidade, mas ele não aceitou e está a pagar por isso.
De acordo com Amélia Pedro, mulher de João Lando Caricoco (exchefe do departamento de operações da Direcção Provincial de Investigação Criminal) esta mesma proposta foi feita a todos os polícias implicados no Caso Quim Ribeiro e o único que não conseguiu resistir à tentação de trair os seus colegas foi o ex-comandante de Viana, Augusto Viana Mateus, por isso conseguiu sair de reu para declarante.
Elas defendem que existem várias irregularidades no processo e que podem ser constatadas pela forma como os réus foram tratados no momento das suas detenções e durante toda a fase de instrução processual.
“Gostaríamos de saber qual é o real interesse que o ministro do Interior, Sebastião Martins, tem neste processo pelo facto de ter orientado que o mesmo fosse retirado das mãos dos peritos da Direcção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) e entre aos investigadores dos Serviço de Inteligência e Segurança de Estado de Angola (SINSE)”, desabafou Rosa Ferreira.
Acrescentando de seguida que “notamos que o processo começou a ser mal conduzido na altura em que os nossos maridos foram presos. Não estamos contra que se faça justiça, até porque estamos entre as pessoas mais interessadas neste caso, esperamos é que a verdade venha ao de cima”.
Baseando-se na forma como as sessões estão a ser conduzidas pelos Quim Ribeiro e seus companheiros no primeiro di juízes-conselheiros do Supremo Tribunal Militar, tenente general Cristo António Alberto e os brigadeiros Francisco Augusto e Domingos Salvador da Silva, as senhoras são unanimes em afirmar que os mesmos não estão interessados em esclarecer a verdade dos factos. Tudo porque há contributos, que consideram ser valiosos, prestados por alguns dos declarantes que já passaram pelo tribunal mas a que os magistrados fazem “ouvidos de mercador” por saberem que o mesmo conduziria o processo para um outro ângulo que não é o desejado.
À título de exemplo, Rosa Ferreira e as suas companheiras declararam que o compadre do malogrado Joãozinho, aquando da sua passagem pelo tribunal, deixou um detalhe sobre as mortes que é muito importante mas que passou despercebido a todos os juízes. “Ele contou que a sua comadre (esposa do Joãozinho) lhe havia dito que quem foi a busca do malogrado em sua residência foi o senhor Teixeira, um dos directores adjuntos da Cadeia de Viana, com o objectivo de irem comprar um terreno, só que preferiu ir em companhia do seu amigo Domingos Mizalaque, com quem faleceu. Pelo caminho, um outro carro meteu-se afrente deles e e dele se efectuaram os disparos”, recordou, acrescentando de seguida que considera este detalhe determinante para se chegar aos verdadeiros assassinos.
Por outro lado, a nossa interlocutora afirmou que existe um outro indivíduo suspeito de ter praticado o crime, identificado apenas como Julinho, mas que se encontra em liberdade e nem sequer foi arrolado no processo.
Embora existam fortes indícios a apontarem para ele, visto que se encontrou com Domingos João “Joãozinho” um dia antes do crime, conduz uma viatura Toyota Hilux branca (semelhante a usada para cometelos) e terá aparecido no local do crime muito antes da Policia, conforme consta nas actas em posse do tribunal.
No seu ponto de vista, não é normal os declarantes trocarem impressões com os magistrados judiciais antes das audiências e nos respectivos intervalos. “Isso para nós não é bom e só demonstra mais ainda que o Tribunal não está a ser imparcial. Nós queremos justiça e que todos paguem por aquilo que fizeram”, alertou.
Elas manifestaram ainda estarem indignadas com o facto de os seus maridos terem sido presos para serem investigados por crimes de que não foram acusados formalmente, como manda a lei.
COMPETÊNCIAS DO STM
posta em causa Desapontada pela forma como o processo está a ser conduzido pelos juízes do Supremo Tribunal Militar, a senhora Amélia Pedro solicitou a intervenção do Presidente da República para por cobro a esta situação.
No seu entender, a forma como as coisas estão a decorrer só sustentam ainda mais a tese levantada pelos seus advogados, segundo a qual, este tribunal não tem competência para julgar este caso e é esta a única prova que os dignos magistrados judiciais têm dado deste que começaram as audiências.
“Os dignos magistrados comprovam isso ao permitirem que apesar das controvérsias que existem entre os depoimentos prestados por vários declarantes durante a fase de instrução processual, sejam totalmente contrários aos feitos em julgamento e os deixam impunes”, sustentou.
Com base naquilo que considera ser uma postura indecorosa, a mulher de Lando Caricoco, considera que o STM fez de tudo para que os réus fossem ali julgados, para poder atingir outros objectivos que não são o esclarecimento da verdade, com base no respeito pelas leis que regem este país.
“E digo mais, tenho a certeza absoluta que se este julgamento estivesse a decorrer no Palácio Dona Ana Joaquina teria um rumo diferente daquele que está a tomar. Aquilo é uma aberração. Cada coisa que se passa ali, leva-me a questionar se os magistrados judiciais estão a interpretar a mesma lei que os demais juízes existentes no nosso país interpretam, por demostrarem ter uma percepção diferente da Lei Constitucional e do Código de Processo Civil”, declarou.
APELO À MINISTRA DA JUSTIÇA
Amélia Pedro apela encarecidamente à ministra da Justiça, Guilhermina Prata, na qualidade de mulher e mãe, que consulte os melhores juristas existentes no país, para analisarem este processo e fornecer um dossiê completo ao Chefe de Estado para pôr cobro a esta situação, por ser uma tortura não só para os seus maridos como para elas.
Para si, caso assim procederem, basta os seus especialistas analisarem as actas das audiências anteriores para terem a certeza que os familiares dos arguidos e os advogados não estão a defender uma causa perdida.
“No dia da primeira audiência eles fizeram uma brilhante acusação, mas até hoje não conseguiram sequer apresentar as provas de pelo menos cinco por cento das acusações que fizeram. Até quando isso?” Desabafou.
A nossa interlocutora considera que ela e as suas companheiras tornaram-se também presas porque deixaram de levar uma vida normal, de cuidar dos filhos e por terem virado toda a atenção para os réus.
Já a senhora Isabel Domingos, esposa do oficial Manuel Fernandes, pede encarecidamente aos juízes que investiguem profundamente a suposta dona do dinheiro, porque do mesmo modo que ela teme pela sua vida, o mesmo acontece com as 21 famílias. “Estamos perplexas, a senhora Pintinho, mesmo apresentando-se como sendo devota à Deus, mentiu por duas vezes ao tribunal.
Mesmo sabendo que dela depende a felicidade de 21 famílias que também creem em Deus”, desabafou. Ela disse ainda que não consegue compreender como é que o mesmo juiz que ameaçou prender o ex-comandante da Esquadra do Zango II por ter esquecido a data em que os seus colegas se reuniram na sua unidade, no momento em que foi prestar declarações, não agiu do mesmo jeito num caso de flagrante delito.
RECOLHER OBRIGATÓRIO EM CASA DOS RÉUS
Depois da detenção dos efectivos da Polícia Nacional que tinham a nobre missão de combater o crime em Luanda, os seus familiares passaram a viver um clima de medo e insegurança devido a alegadas contantes ameaças a que têm sofrido por parte de indivíduos estranhos.
Em casa do ex-chefe do departamento de operações da Direcção Provincial de Investigação Criminal, João Lando Caricoco, a sua esposa optou por estabelecer às 18horas, como o horário ideal para o recolher obrigatório para todos os descendentes do casal.
Já em casa de um dos inspectoreschefe da Polícia Nacional envolvidos neste caso, esta medida não foi suficiente para conter os prevaricadores. A sua filha, de apenas 16 anos, foi violada por dois indivíduos na calada da noite do dia 15 de Junho, na sua residência.
A dupla praticou a acção na presença da mãe, numa posição inoperante, e de cinco irmãos menores sem utilizarem preservativo. Para obrigar a adolescente a não mostrar resistência, os marginais ameaçaram matar a sua mãe e os irmãos, caso se recusasse a satisfazer o apetite sexual de ambos.
A residência do ex-chefe da Direção Provincial de Investigação Criminal, António João, tem sido frequentemente visitada à noite por cidadãos “desconhecidos” que, num dos casos, fizeram-se passar por jornalistas da Emissora Católica de Angola, vulgo Rádio Ecclésia, disse a dona de casa
Rosa Ferreira, esposa do oficial su perior da Polícia, contou que na Sexta Feira passada a sua residência foi alvo de duas visitas inesperadas. A primeira aconteceu no período da tarde quando um grupo de indivíduos desconhecidos apareceu num Jeep, apresentando-se como repórteres que estavam a fazer entrevistas sobre a “magoga” (sandes).
A segunda, ocorreu às 23horas do mesmo dia, quando um outro indivíduo bateu a porta para colher informações sobre os seus proprietários.
“Já pedimos encarecidamente às autoridades competentes que cedessem-nos uma proteção especial, tendo em conta os riscos que estamos a correr desde que os nossos esposos foram presos, mas até agora nada foi feito”.
Ela disse que foi perseguida na altura em que o seu marido se encontrava preso, os seus filhos haviam entrado num estado de pânico e nem sequer aceitavam ir à escola com medo de sofrerem represálias.
Por seu turno, a jovem Antonica Domingos, esposa do subinspector Yuri Jaime de Matos Vilariks, desabafou que para além dos motivos acima mencionados está a ser ainda obrigada a aturar os constantes insultos dos seus vizinhos pelo facto de o seu companheiro estar a responder na justiça, como se já tivesse sido sentenciado como criminoso.
Cobertura jornalística precisa-se
As famílias dos réus solicitam aos juízes que permitam o acesso da imprensa aos julgamentos para que a sociedade tome conhecimento do que se está realmente a passar dentro daquela sala.
“Para nós seria magnífico se a imprensa tivesse acesso às sessões de julgamento para retratarem o que realmente se estar a passar, tendo em conta que a maior parte da informação que sai a público é manipulada”, disse uma das senhoras.
Elas foram unânimes em declarar que apesar de não ser permitida a entrada da imprensa naquele local, existe uma web câmera no computador de um dos juízes a gravar as audiências para fins que desconhecessem e nem sequer é da vontade deles.
A informação de que não se permitiria a presença dos profissionais de comunicação social na sala de audiências enquanto estas estivesse a decorrer, foi prestada pelo juiz Cristo Alberto, na primeira sessão do julgamento que decorre na Base Naval da Ilha de Luanda, vulgo Marinha de Guerra.
Foi o que aconteceu no segundo dia de audiências, quando os jornalistas foram convidados a abandonar a sala, convite que se repetiu nos dias subsequentes.
A jovem Antonica Domingos, esposa do subinspector Yuri Jaime de Matos Vilariks, esclareceu que a alcunha do seu companheiro não é “Russo”, conforme está identificado nos autos.
“É impossível o meu esposo ter sido reconhecido no local do crime porque no momento em que tudo ocorreu estavamos juntos no nosso leito e ele só tomou conhecimento através do telefonema de um colega do serviço”, declarou.
FONTE: O País