A vacinação de adolescentes contra o vírus do Papiloma Humano (HPV), uma das principais causas do cancro do colo do útero, já começou em Angola através de um projecto do Ministério da Saúde que tem como objectivo vacinar todas as raparigas dos dez aos 16 anos, para imunizá-las contra a doença que mata milhares de mulheres. O ministro da Saúde, José Van-Dúnem, lança hoje o plano nacional de vacinação. As mulheres até agora vacinadas beneficiaram da fase experimental do projecto.
As jovens recebem muita informação, mas não têm conhecimento suficiente para se prevenirem do cancro do colo do útero. Prova disso é o crescente número de gravidezes na adolescência e o aumento das doenças sexualmente transmissíveis, que podem provocar a doença.
Muitos pais aderiram à fase experimental do projecto “Vacina Contra o Cancro do Útero” na Maternidade Lucrécia Paim e vacinaram as suas filhas. Deolinda Gomes da Costa é uma das muitas mães que aderiu. Levou à vacinação a sua filha de 13 anos. A vacina contra o cancro do útero tem o nome de Servarix.
“O que me levou a vacinar a minha filha foi a prevenção, porque as crianças estão muito precoces nas relações sexuais, por isso achei por bem vaciná-la”, disse Deolinda Gomes da Costa. Para ela é importante que a iniciativa seja das mães.
Jerónimo Neto levou a sua filha Zélcia Neto à vacina. Disse que sexo na adolescência é um tema que deve ser analisado, tendo em consideração a história de vida de cada pessoa e do meio em que ela está inserida. “Por mais que a família seja liberal, aceitar que uma menina já começou a vida sexual é um choque para muitos pais. Está na hora de enfrentarmos com coragem a questão. Precisamos de ajudar as nossas filhas, porque fazer de conta que nada está acontecer é a pior das alternativas, já que coloca em risco a sua saúde e a sua vida”, disse o pai de Zélcia Neto.
Equipa de vacinação
Este ano, o Ministério da Saúde vai lançar, oficialmente, a vacina do cancro do útero e segundo o coordenador do projecto “Vacina Contra o Cancro do Colo do Útero” da Maternidade Lucrécia Paim, Joaquim Bernardo Dumas, quem se vacinar fica imunizado contra a doença.
Joaquim Bernardo Dumas disse que na fase experimental já foram vacinadas 100 raparigas que nunca tiveram relações sexuais e fizeram as três doses. “Até aqui já vacinámos algumas meninas. Vamos manter o contacto com os pais, para daqui a dois ou três anos voltarmos a fazer um rastreio”.
A Maternidade Lucrécia Paim trabalha há seis anos no programa: “fizemos os contactos com instituições internacionais e conseguimos trazer a vacina de forma gratuita”, disse o doutor Dumas, acrescentando que existe uma equipa de técnicos e médicos treinados em Angola e no Brasil com capacidade para vacinar todas as meninas. No ano passado foi feito um curso de formação de formadores para 20 técnicos, médicos e enfermeiros da Lucrécia Paim, Augusto Ngangula e Centro Nacional de Oncologia. O objectivo, revelou, é fazer com que este grupo seja um embrião para massificar a vacina em todo o país.
Plano nacional
“Já temos projectos avançados para algumas províncias onde vamos formar pessoal, para que o projecto atinja todo o território nacional”, disse o coordenador do plano na Maternidade Lucrécia Paim.
O médico explicou que não é possível, nesse momento, vacinar todas as mulheres, mas a prioridade é para as raparigas que não têm ainda uma vida sexual e que não contraíram o vírus do papiloma humano.
“Este é um projecto futurista. O que se pretende é proteger a juventude. Quando elas arranjarem os seus parceiros e tiverem uma vida sexual, estão protegidas contra o cancro”, disse Joaquim Dumas.
O coordenador do projecto de vacinação da Maternidade Lucrécia Paim defende que as mulheres acima dos 16 anos, com uma vida sexualmente activa, devem fazer a prevenção, usando a camisinha nas relações não seguras. “Se vacinarmos mulheres que já tiveram muitos parceiros sexuais e já tenha o vírus a eficácia da vacina é baixa, por isso o objectivo é vacinar as meninas com mais de dez anos que ainda não começaram uma vida sexual”, revelou.
Joaquim Bernardo Dumas explica que a vacina visa prevenir o cancro do colo do útero e outras doenças provocadas pelo vírus: “como se trata de uma doença silenciosa, o rastreio deste tipo de cancro é fundamental, uma vez que, quando detectado no início, o tratamento pode ter uma taxa de sucesso de 100 por cento. Temos de apelar ao rastreio, à prevenção, para que o despiste da doença seja rápido, permitindo actuar com eficácia no sentido da cura”.
A tendência pode ser invertida com a vacina contra o papiloma humano, disse o médico, “mas não podemos baixar os braços na prevenção secundária, na fase adulta da mulher, através de exames ao colo do útero”.
Benefícios da vacina
Os benefícios de introduzir esta vacina no sistema de vacinação nacional vão incidir sobre as mulheres e as suas famílias durante várias gerações. “Mas apesar das promessas trazidas pela vacinação, não há dúvidas de que a vacina deve ser acompanhada pelos rastreios, sobretudo à mulher adulta, uma área onde há ainda muito a fazer.
A prevenção é sempre melhor do que a cura e esta vacina vai evitar que muitas mulheres apanhem o vírus do papiloma humano, podendo vir a salvar muitas vidas daqui a alguns anos”, disse. Joaquim Bernardo Dumas explicou que as infecções por papiloma humano são muito comuns, estimando-se que mais de 70 por cento das pessoas com uma vida sexual activa contraeam pelo menos uma infecção deste tipo.
“A esmagadora maioria das infecções é controlada pelo nosso sistema imunitário e quase inofensiva, mas 20 por cento tornam-se crónicas e podem originar cancro, sobretudo se associadas a outros factores, genéticos ou adquiridos”.
A vacina já não é novidade para os países desenvolvidos e com estabilidade financeira, disse Joaquim Bernardo Dumas, que apontou os Estados Unidos da América e a Nova Zelândia, como os países em que a vacina é administrada às mulheres de todas as idades.
“Temos informações que muitas mulheres vão ao Brasil, Portugal, África do Sul e Namíbia para serem vacinadas. Tendo em conta que são três doses, elas fazem uma no exterior e outras trazem-nas para o país, mas existe um senão, porque as condições de transporte e do pessoal que as vacinam põem em perigo a vida destas mulheres”, frisou.
Cancro do colo do útero
O cancro do colo do útero transmite-se por via sexual. É provocado pelo vírus do papiloma humano. Para os países do terceiro mundo o cancro do colo do útero é a primeira causa de morte de muitas mulheres.
O início precoce e a promiscuidade do sexo, o tabagismo, a imunodeficiência e a falta de vitaminas A, B e C facilitam a infecção.
A OMS concluiu que, neste momento, um milhão de mulheres padece com cancro do útero em fase terminal.
O cancro do colo do útero, referiu o doutor Dumas, é contraído pela mucosa vaginal, recto, vulva, boca e laringe. O vírus pode instalar-se na boca e nas cordas vocais, apresentando sinais como um corrimento espesso, persistente e com mau cheiro, dores no baixo ventre, a perda de sangue após o acto sexual, edemas nos membros inferiores e anemia crónica.
“É importante que as mulheres façam pelo menos uma consulta por ano, porque é uma doença muito escondida. Quando ela aparece na fase de tratamento não dá sinal e já está avançada. Trabalhamos com esta patologia há muitos anos e deparamo-nos todos os dias com pacientes que chegam em fase terminal e nada se pode fazer para a sua prevenção”, lamentou.
Joaquim Bernardo Dumas defende mais apoio e sensibilidade para combater o flagelo que em grande escala atinge o nosso país.
