As relações entre Angola e São Tomé e Príncipe são excelentes, disse o primeiro-ministro Patrice Trovoada em entrevista exclusiva ao Jornal de Angola. Os dois países têm acordos em vários domínios, com destaque para a educação, transportes, formação de quadros e exploração petrolífera. A Sonangol é o rosto mais visível da cooperação entre os dois Estados, na medida em que a petrolífera angolana intervém, além da área de combustíveis, na exploração do aeroporto e do porto de São Tomé e prevê adquirir 51 por cento do capital da STP Airways.
Jornal de Angola – Que avaliação faz das relações entre Angola e São Tomé e Príncipe?
Patrice Trovoada – São excelentes. Temos acordos em vários domínios, cooperação a nível da educação, na formação de quadros, no domínio da defesa, dos transportes, estamos a trabalhar juntos no ambiente, na assistência ao dossier do petróleo. Mas o mais visível é a cooperação no domínio económico particularmente a cooperação entre a Sonangol e o Estado são-tomense. Esta cooperação permitiu constituir parcerias que estão a intervir em domínios estruturais e fundamentais para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe. Nos últimos dois anos, demos um salto visível através dessa cooperação no domínio económico e empresarial.
JA – O que está por fazer no domínio da cooperação?
PT – Penso que o fundamental é definirmos as fronteiras, os contornos daquilo que pretendemos fazer. Temos de reconhecer que muitas vezes falta-nos capacidade para concretizar os acordos assinados entre os dois países, mas vamos criando essas capacidades. No domínio dos transportes, é evidente que Angola e São Tomé e Príncipe têm que ter acordos a nível aéreo e marítimo. Temos os voos semanais da TAAG entre Luanda e São Tomé. Mas aquilo que pode ter maior impacto, do ponto de vista da cooperação económica, é uma ligação marítima entre os dois países.
JA – Em que ponto está a formação de quadros?
PT – A nível da formação de quadros, devo dizer que existe o quadro geral de cooperação, mas depois temos que ter a capacidade para aplicar os acordos, que algumas vezes não existe. Mas é preciso ter em atenção que a cooperação com Angola no domínio da formação de quadros vai permitir resolver o problema da Universidade em São Tomé e Príncipe, na medida em que não temos nenhuma instituição de ensino superior.
JA – O falta que falta para abrir uma universidade?
PT – Falta um contacto permanente entre as instituições que estão abaixo dos Governos, porque o quadro geral de cooperação já foi definido. A Universidade Agostinho Neto oferece muitas oportunidades, mas não havendo do lado são-tomense uma universidade é preciso estabelecer diálogo com o Ministério da Educação. O quadro geral de cooperação está definido, a vontade política existe, agora é preciso estabelecer contactos a outros níveis para que os acordos sejam aplicados. São boas, as áreas de cooperação não têm limites.
JA – Em que ponto está a reabilitação do aeroporto e do porto de São Tomé?
PT – As obras estão em curso. O aeroporto é fundamental por sermos uma ilha. Uma ilha é como um deserto por estar isolada. O porto e o aeroporto são fundamentais e hoje mais o aeroporto do que o porto. As obras estão em curso e pensamos que até final de 2012 ou no primeiro trimestre de 2013 estão concluídas. Em relação ao porto já ganhámos muita eficiência com a vinda de equipamentos, mas faltam-nos alguns que não são fáceis de adquirir, porque as condições do porto de São Tomé e Príncipe quase obrigam a construí-los especificamente. Mas devido à cooperação com Angola ganhámos muito em termos de eficiência a nível das operações portuárias.
JA – Para quando a conclusão das obras no porto?
PT – A questão essencial está nos equipamentos exclusivos para darmos mais solidez e reduzirmos os custos de manuseamento das mercadorias. Penso que durante este ano vamos concluir as obras no porto. Mas sublinho que a complexidade está na aquisição dos equipamentos. E isto, depende sempre da sustentabilidade económica, pois desenhar um equipamento especificamente para o porto de São Tomé implica custos e nós temos que ser sempre cautelosos, porque se não existir rentabilidade também não há desenvolvimento.
JA – A Sonangol intervêm noutras áreas além dos combustíveis?
PT – A Sonangol em São Tomé e Príncipe, por enquanto, intervém nos combustíveis, no porto e no aeroporto Internacional de São Tomé. Estamos a considerar a possibilidade da Sonangol também intervir na companhia são-tomense de electricidade. A Sonangol tem tido também um programa importante na formação de quadros são-tomenses. Para São Tomé e Príncipe é um investidor extremamente importante. Todos os sectores estão abertos à Sonangol. Para nós o importante é atrair mais investidores de referência.
JA – Porquê essa aposta na Sonangol?
PT – Por que é a segunda maior empresa petrolífera no continente africano, por isso é um investidor de referência. Devido às relações seculares que temos com Angola, a Sonangol acrescenta a vantagem de ser um parceiro de São Tomé e Príncipe de médio e longo prazo. Por isso, todos os sectores estão abertos à Sonangol.
JA – O que falta para fechar o dossier petróleo?
PT – A exploração petrolífera é algo de longo prazo. Hoje, a Sonangol não tem nenhuma presença na exploração petrolífera, é uma empresa que tem, como qualquer outra, de avaliar os riscos. Por isso, cabe à Sonangol decidir quando deve começar a fazer a exploração petrolífera no nosso país.
JA – Depende da Sonangol explorar ou não petróleo em São Tomé e Príncipe?
PT – O Estado são-tomense tem o princípio de fazer leilões para aquisição de exploração de blocos de petróleo e quando um leilão não consegue financiadores e níveis de ofertas elevados, temos a possibilidade de entrar em negociações directas. Nós estamos numa zona de águas ultra-profundas e cada perfuração custa 100 milhões de dólares, por isso, é preciso avaliar os riscos antes de começar a exploração de petróleo em São Tomé e Príncipe.
JA – A Sonangol vai entrar no capital da STP Airways?
PT – A Sonangol, através da Sonair, também intervém nos transportes aéreos em São Tomé e Príncipe. O Estado são-tomense e os outros accionistas da STP Airways manifestaram, em reunião do conselho de administração, a intenção de vender à Sonangol, 51 por cento do capital da empresa. Espero que a Sonair se torne no accionista maioritário da STP Airways. A Sonair tem aviões modernos recentemente adquiridos, que precisam de voar, enquanto São Tomé e Príncipe tem rotas abertas com outros países.
JA – Essa parceria tem em vista o desenvolvimento do turismo?
PT – A nossa opção a nível do desenvolvimento passa pelo turismo, por isso, temos de atrair turistas para São Tomé e Príncipe. É preciso aumentar o número de voos de São Tomé e Príncipe para Angola e entrarmos noutros mercados. A participação da Sonangol na nossa companhia aérea traz vantagens para toda gente.
JA – Para quando a reactivação da Fazenda Agostinho Neto?
PT – As terras na Fazenda Agostinho Neto são muito produtivas. Infelizmente, a fazenda é um monstro adormecido. Para fazer a sua reabilitação é preciso capital. Neste caso temos que fazer boas opções. A primeira opção é transformar a fazenda num pólo de agro-turismo, isto significa que as grandes casas coloniais são transformadas em hotéis.
JA – Há outros projectos?
PT – Queremos aproveitar algumas infra-estruturas da fazenda para fins sociais. Devido ao nome e à carga simbólica daquela fazenda, onde residem muitas pessoas de origem angolana, a opção do governo são-tomense é fazer uma parceria entre os dois países para a sua reactivação. Nós pensamos em construir lá numa universidade, ou um grande hospital no núcleo central da fazenda. Ma isso custa dinheiro. Por isso pode ser uma universidade privada. A mesma coisa com o hospital. A Fazenda Agostinho Neto é de todas as empresas agrícolas aquela que gostávamos de reservar para um projecto comum entre são-tomenses e angolanos.
JA – Existem contactos com o empresariado angolano?
PT – Já existem. Nós temos recebido várias propostas de grupos privados angolanos. Mas quando se trata da Fazenda Agostinho Neto é preciso analisar bem as coisas. Agostinho Neto é de todos os angolanos, africanos e revolucionários. Temos de avaliar todas as propostas como deve ser. Penso que mais cedo ou mais tarde encontraremos uma solução para a Fazenda Agostinho Neto.
JA – Que acções e políticas existem para dinamizar a produção nacional?
PT – A nossa única riqueza, além do povo são-tomense, é a agricultura. Temos solos muito férteis, o que falta é a organização da agricultura e também do trabalho. Foi feito um recenseamento das terras, na medida em que muitas pessoas tinham terra, mas não a trabalhavam. Através das associações de agricultores, identificámos onde estavam os problemas da fraca produção agrícola.
JA – Há financiamentos garantidos para o sector agrícola?
PT – Temos o problema dos financiamentos, por isso, estamos a trabalhar na concessão de micro-créditos e na criação de um banco de fomento agrícola. Temos ainda a questão da assistência técnica, por isso decidimos descentralizar os serviços da agricultura, para levar apoio técnico ao interior. Pensamos também na necessidade da coexistência de vários tipos de propriedade. Por isso, estamos a atrair, nomeadamente a nível do cacau e do óleo de palma, grandes grupos internacionais para que eles possam coexistir com a pequena propriedade.
JA – Como está as pescas?
PT – As pescas quase nunca foram exploradas em São Tomé e Príncipe. Temos uma zona económica exclusiva de mais de 200 milhas, mas que nunca foi explorada. Apenas cinco por cento desse potencial de pescas é explorado no nosso país, daí a necessidade de desenvolvermos as pescas. Isto passa pela modernização do sector. É o que estamos a fazer para garantir alguma segurança alimentar para São Tomé e Príncipe.
JA – Há mais medidas para garantir a segurança alimentar?
PT – Quando a produtividade começar a crescer vamos ter o problema da falta de mercado interno, pois só temos 170 mil consumidores. Por isso, temos que olhar sempre para a exportação e esse processo passa pela conservação dos produtos. São necessárias acções paralelas. A produção são-tomense hoje é de duas mil toneladas de cacau. Se olharmos às necessidades de qualquer ser humano num mundo moderno, que são electricidade, água, transportes, telecomunicações, diversão, a nossa economia não as sustenta.
JA – Qual é a solução?
PT – Temos que olhar para o mercado regional. O nosso desenvolvimento passa pelos mercados regionais. São Tomé e Príncipe está inserido numa região, onde ao Sul, a uma hora e 40 minutos, temos Angola. Ao norte, também a uma hora e 40 minutos, temos a Costa do Marfim e a uma hora, a Nigéria. Se olharmos para esses países à volta de São Tomé e Príncipe temos mais de 300 milhões de consumidores. Se conseguirmos atingir este mercado marginal, porque não estou falar em atingir os 300 milhões de consumidores, encontramos uma base económica de sustentação que vai permitir o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe.
JA – Estão a ser criadas reservas para a exportação?
PT – Vou dar a sequência do que temos de fazer. É preciso continuar a desenvolver a agricultura, mas se quisermos que os nossos produtos agrícolas atinjam outros mercados precisamos de infra-estruturas como o aeroporto e o porto. O turismo é importante, mas para os turistas virem precisamos do aeroporto a funcionar, precisamos de boas telecomunicações. Mas isso é pouco, porque o turista quando chega a um país tem que encontrar um bom clima, as coisas têm que funcionar, a cidade tem que estar limpa, a segurança das pessoas e dos bens tem que ser efectiva.
JA – Está a falar da organização do Estado e do sector privado?
PT – Com certeza. Os homens de negócios querem criar empresas em três dias e não em seis meses como se faz hoje em São Tomé e Príncipe. Há muitas acções que nós temos de realizar em paralelo para conseguirmos de facto o desenvolvimento. Há um calendário, porque não se pode fazer tudo num dia, mas estamos convencidos de que estamos no bom caminho. Hoje se me perguntarem se São Tomé e Príncipe está pronto para as exportações a minha resposta é não.
JA – Porquê essa resposta?
PT – Porque os agricultores não conhecem as exigências dos mercados externos, problemas de logística, na medida em que o porto ainda não está adaptado para a exportação. Mas estamos a reabilitar o porto, a intervir nas terras, no clima de negócios. Fizemos grandes progressos em 2011. Hoje, em São Tomé e Príncipe é possível criar uma empresa, no máximo, em três dias. Isto tudo é que vai conduzir às próximas etapas.
JA – Quais são os outros projectos que vão alavancar a economia?
PT – O que vai alavancar a economia são-tomense e pôr o país no mapa é olhar para o mercado regional, dotar o país de infra-estruturas sociais e económicas. O cabo submarino de fibra óptica já chegou a São Tomé e Príncipe. Estamos a negociar a construção de um grande shopping.
JA – O que justifica as dificuldades em captar financiamentos?
PT – São as nossas debilidades. Por isso é que estamos a falar em potenciar o empresariado nacional, criar um bom clima de negócios que reduza substancialmente o risco dos investidores. O que eu digo aos investidores é que devem ter em conta o mercado regional.
Fonte: JA