No Hospital Psiquiátrico de Luanda há um número cada vez maior de crianças com autismo. Com rostos tristes e cansados os pais partilham as suas experiências que para alguns são totalmente desconhecidas. Muitas destas crianças sofrem de autismo e Transtorno de Défice de Atenção e Hiperactividade (TDAH).
Na sala de espera do Hospital Psiquiátrico de Luanda encontrámos João Pedro. Aos 13 anos, está apenas a primeira classe, porque as escolas a que os pais recorriam para matriculá-lo recusavam a matrícula, devido à sua deficiência. O menino sofre de autismo e a patologia foi descoberta no Hospital Psiquiátrico de Luanda depois de sucessivas consultas.
Luísa Rafael, mãe de João Pedro, contou à reportagem do Jornal de Angola que o filho começou a desenvolver este problema quando tinha um ano. “Com esta idade, ele já tentava pronunciar algumas palavras como mamã e papá, mas com o tempo deixou de falar e andar”, disse Luísa Rafael, acrescentando que João Pedro quando quer ir à casa de banho apenas faz sinais e irrita-se com os irmãos mais novos quando não lhe satisfazem as vontades.
Acompanhada do marido, Luísa Rafael contou que ouviu falar pela primeira vez de autismo, quando os médicos lhe apresentaram o diagnóstico sobre a doença do filho. Aquele momento mudou o rumo da sua vida e desde então procura informar-se cada vez mais sobre a doença.
“No princípio foi muito difícil conviver com isso, porque pensava que fosse a única pessoa a enfrentar este sofrimento, mas no hospital dei conta que mais crianças padecem desta patologia e outras ainda mais complicadas” explicou, frisando que, com ajuda dos especialistas, tem sabido lidar melhor com a doença do filho.
Se em casa as coisas já são difíceis para João Pedro, mais complicadas são ainda na escola, onde a sua adaptação não tem sido nada fácil. Luísa Rafael explica que o filho tem dificuldade em pegar num lápis para escrever, motivo pelo qual, o professor e a família devem ter muita paciência com ele.
Residente em Viana, Luísa Rafael tem que “zungar” todos dias no centro da cidade, porque o salário do marido não chega para sustentar os três filhos. Lamenta que a vida de vendedora ambulante lhe tem retirado tempo para se sentar com o filho para ensiná-lo a enfrentar a doença.
Crianças hiperactivas
Afonso Lucas, seis anos, é bem diferente de João Pedro. Ele comunica bem, vai à escola, mas o menino sofre de Transtorno de Défice de Atenção e Hiperactividade (TDAH).
Para a sua mãe, Filomena Domingos, 36 anos, a doença também era totalmente desconhecida. “Muito antes de vir às consultas e saber o diagnóstico, eu só notava que o meu filho não parava quieto, mexia em tudo, era muito agitado, pouco atento, irrita-se muito e quer bater quando não lhe dão alguma coisa”.
Depois de muitas consultas em vários hospitais, “vim parar ao Hospital Psiquiátrico de Luanda, onde me disserem que o menino é hiperactivo. E como não sabia nada sobre a doença, a médica explicou-me tudo como devo lidar com ele”, disse. A viver em Viana, Filomena Domingos tem dificuldades em matricular o filho, na medida em que ele faz muita confusão e ninguém consegue cuidar dele, a não ser a mãe.
O rapaz não consegue comer sozinho e é muito agressivo. “Mas ele não é má pessoa, é consequência da doença. Por isso, só eu o entendo. E outros ficam com medo de ficar com ele”, explicou.
Filomena Domingos lamento o facto do marido nunca ter acompanhado o filho às consultas, por falta de tempo. Essa atitude do marido, disse Filomena Domingos, torna as coisas mais difíceis, uma vez que todas as segundas-feiras, Filomena tem que sair cedo de casa sozinha para levar o menino à consulta.
“As coisas estão difíceis, porque sozinha tenho que dar também atenção aos outros dois filhos que graças a Deus nasceram bem”, disse.
Desordem cerebral
O psiquiatra e chefe do Banco de Urgência do Hospital Psiquiátrico de Luanda, Jaime Sampaio, definiu o autismo infantil como sendo uma alteração cerebral ou desordem que compromete o desenvolvimento psiconeurológico e afecta a capacidade da pessoa se comunicar, compreender e falar. Todos estes problemas afectam o convívio social. A doença manifesta-se antes dos três anos.
Jaime Sampaio disse também que o autismo não é necessariamente acompanhado de retardo mental, pois existem casos de crianças autistas que apresentam inteligência e fala intactas, embora outras apresentem sérios retardo no desenvolvimento da linguagem.
Para a psicanalista do Hospital Psiquiátrico de Luanda, Felismina Cristina, o autismo é também considerado muitas vezes psicose infantil por se tratar de uma doença que aparece em crianças a partir dos dois anos e que está associada aos transtornos de linguagem.
Síndrome de Asperger
Segundo a psicanalista, é importante saber identificar os sintomas porque muitos tendem em confundir o autismo com a síndrome de Asperger. A diferença, explicou Felismina Cristina, reside no facto da síndrome de Asperger não apresentar retardo mental, na medida em que a pessoa com este tipo de doença é comunicativa e geralmente muito inteligente e com várias habilidades, mas ao mesmo tempo não se interessa por nada.
“O autismo, além de prejudicar a comunicação, apresenta um certo défice cognitivo. O autista não responde. É uma pessoa muito fechada socialmente e dificilmente expressa os seus sentimentos por palavras, é mais por gestos”, acentuou a médica psicanalista Felismina Cristina.
De acordo com o psiquiatra Jaime Sampaio, para a doença de autismo não existe nenhum exame laboratorial, porque o autismo não é do fórum neurológico, mas sim psiquiátrico.
“A doença pode até ser associada à epilepsia, mas não é a patologia de base, logo, é preciso que haja um conjunto de características, e conversas com os pais do paciente e com o próprio para se saber da sua história clínica, onde se realça o exame mental, para se chegar a um diagnóstico mais preciso”, explicou o psiquiatra.
Quanto ao Transtorno de Défice de Atenção e Hiperactividade (TDAH), os dois especialistas foram unânimes em defini-lo como uma sindroma caracterizada por desatenção, hiperactividade (pessoas muitas activas ou agitadas) e impulsivas, causando prejuízos a si mesmas e aos outros em pelo menos dois contextos diferentes, geralmente em casa, escola e no trabalho.
“Embora sejam crianças muito dinâmicas ou agitadas que não ficam quietas e comunicam, na escola são muita desatentas e têm grandes dificuldades na aprendizagem e de facto dão muito trabalho aos pais, tanto é que muitas mães deixam os seus afazeres para cuidarem plenamente deles”, acrescentaram os dois especialistas.
Que fazer com as crianças
A psicanalista Felismina Cristina diz que há melhoras nas crianças afectadas com estas patologias que comparecem regularmente no seu consultório. A especialista, por falta de espaço no hospital, todas as segundas-feiras transforma o seu gabinete em sala de interacção grupal, onde várias crianças ficam a interagir entre si.
No seu gabinete são colocados vários brinquedos na mesa e no chão, com objectivo de estimular a criatividade e a aprendizagem dos pacientes durante 30 minutos. “Procuro juntar tantas crianças autistas como hiperactivas para ver o progresso de cada uma”, disse.
“Nestas sessões de grupos, presto atenção à criança que fica no seu canto isolada. Constantemente, nós vamos chamar várias vezes por ela para que possa ficar mais presente no mundo real. E com técnicas médicas vamos estimular cada vez mas a crianças”, disse. Mas todas estas sessões de treino em grupo só surtem efeito se forem acompanhadas com os fármacos.
Questionada sobre a cura das doenças, Felismina Cristina disse que as duas patologias não têm cura, mas sim medicamentos que reduzem ou melhoram os transtornos de humor e sessões de interacção em grupo para se mostrar à criança qual a conduta certa, a importância da comunicação e a socialização. Os pacientes podem vir a ter uma vida normal.
Falta de centros
Felismina Cristina lamenta o facto de não existirem ainda no país centros para atender crianças com autismo e TDAH, porque o atendimento destas patologias infantis não devia ser feita na Psiquiatria.
“Estas crianças devem ser assistidas regularmente num Centro de Atenção Psico-social e Infantil (CAPSI) com uma equipa com vários especialistas desde psicólogos, psiquiatras, neurologistas e nutricionistas para fazerem um acompanhamento demorado e personalizado”, explicou.
Para a médica, o pouco tempo de interacção que as crianças têm, 30 minutos e apenas às segundas-feiras, é insuficiente e as condições de tratamento em si não são das melhores. É necessário que os responsáveis trabalhem mais neste sentido porque as crianças devem ter prioridade absoluta.
O psiquiatra Jaime Sampaio disse que caso estas patologias não forem devidamente controladas, com o tempo podem desencadear e outras doenças. No caso do autismo, pode desenvolver-se em depressão profunda, porque a pessoa isola-se muito, culpa-se por tudo, não quer fazer nada, passa a ter inclusive ideias suicidas ou mesmo transtorno bipolar. “O Transtorno de Défice de Atenção e Hiperactividade pode desenvolver-se para transtornos de personalidade e a pessoa torna-se paranóica”, frisou o médico.
Cuidados especiais
Aos pais pede-se atenção redobrada às crianças doentes. Caso notem que o filho tem pouco interesse social, isola-se muito, tem dificuldade na comunicação, repete as mesmas palavras ou gestos durante muito tempo, tem dificuldade na escola, cuidado! Convém consultar um especialista porque pode ser autismo.
No caso das crianças muita agitadas, agressivas e pouco atentas na escola, a situação também é preocupante porque pode tratar-se de um Transtorno de Défice de Atenção e Hiperactividade.
Em relação ao quadro nacional, o chefe do Banco de Urgência do Hospital Psiquiátrico de Luanda, Jaime Sampaio explicou que a situação já começa a ficar preocupante porque semanalmente o hospital regista a entrada de pelos menos seis casos de TDAH e três a quatros casos de autismo infantil.
Para o psiquiatra Jaime Sampaio, estas doenças raras vezes são adquiridas, quando a criança apresenta a doença é porque alguém na família a teve, mas por falta de conhecimento deixa-se passar. Os pais que abusam de drogas ou lares familiares conflituosos podem gerar filhos com estes problemas.
Felismina Cristina defende também que a relação existente entre pais e filhos, principalmente nos primeiros anos de vida, é fundamental para a saúde mental da criança:
“é importante que o filho desde a nascença se sinta amado e desejado pelos pais. Caso contrário, à medida que for crescendo tem grandes problemas emocionais que podem desencadear outras patologias”.
Aumentam os números de crianças com autismo
Eu sou um terapeuta ocupacional, com especializações em pediatria, psiquiatria e geriatria, trabalhando num sistema escolar em Massachusetts, nos USA, que se dedica, entre muitos outros casos, a intervenções na áreas de Autismo e de ADHD. Depois de ler a reportagem, referida em epoígrafe, da Alexandra Sonhi, gostaria de estabelecer contacto com a Dra. Felismina Cristina, para partilha de experiências, se a senhora psicanalista achar por bem. Será possível facilitarem-me esse contacto?
O meu email é Josefilipe7@aol.com
Grato pela vossa atenção
José Filipe Rodrigues
Fall River Schools
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