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    «A vida aqui não é um mar de rosas»

    Manhã de sexta-feira, 11H00, a reportagem do Novo Jornal chega ao denominado quarteirão J do Zango 4. O sol intenso já bate nas moradias de cor verde e nos rostos cansados de tantas preocupações. A falta de espaços verdes faz com que o calor ali seja excessivo.

    O cenário é calmo. Alguns moradores circulam de um lado para o outro com recipientes na mão à procura de água. Outros, sem ocupação, conversam, ouvem música ou fazem pequenos trabalhos domésticos, numa aparente normalidade.

    A nossa reportagem constata que, na véspera de completar um ano desde que saíram das tendas para as residências no Zango 4, os moradores, que já sonhavam com uma vida melhor, debatem-se ainda com uma dura realidade, facto que obrigou alguns a abandonar as suas casas.

    No Zango 4 não há infra-estruturas de apoio, só casas. Não há escolas, hospitais, água. Não há um mercado, onde possam comprar e vender.
    Há, isso sim, muita criminalidade.

    O fornecimento inconstante de energia eléctrica serve o jogo de escondidas dos delinquentes. E estes aproveitam para realizar actos de vandalismo, longe dos olhares da polícia, porque também não há uma esquadra.

    Desagregação familiar

    Já lá vão nove meses desde que Maria Augusto Neto saiu das tendas no Zango 1, para o denominado quarteirão J do Zango 4, com o esposo mais três filhos, dos quais dois em idade escolar.
    Com a transferência, Maria acreditava que ia viver dias melhores. “Eu esperava que as coisas pudessem melhorar um pouco, mas a vida aqui também não é um ‘mar de rosas’, como diziam que iria ser. Não temos escolas, hospitais, água e mesmo a luz também é como se fosse quixikila: dois dias não temos, um dia temos”, descreveu por entre lamentos.

    A nossa interlocutora teme pelo futuro dos filhos que começa a ficar ameaçado pois, segundo ela, este é o segundo ano que as crianças vão ficar sem estudar. “Quando saímos da Ilha, estavam no meio do ano lectivo e tiveram de parar. Viemos para cá, esperávamos este ano fazer as matrículas, mas aqui também não há escolas, vão ficar mesmo em casa. Não sei o que será dos meus meninos”, lastimou.
    Eurico Chiuca, viúvo e desempregado, teve de distribuir os sete filhos por casas de familiares que moram em Cacuaco para poderem estudar.

    Situação que deixa o homem muito abalado. “Como é que um pai fica com os filhos, que já são órfãos, divididos em várias casas?”, Questionou.

    Moradora do zango no seu difícil dia-a-dia O viúvo conta que muitos dos seus vizinhos, por tantas dificuldades que tinham de enfrentar, abandonaram as suas residências. “Pelo menos, que houvesse aqui um mercado para podermos fazer algum negócio. Não temos praça, nem nada”, frisou o homem, salientando que está a pensar alugar a casa para ver se consegue arrendar outra numa zona onde consiga facilitar a sua vida.

    Tal como Eurico, Mena Alberto também teve que sacrificar a família e pôr os filhos a morar com os avós, no bairro da Estalagem, para poderem estudar. “Só vejo os meus filhos aos fins-de-semana, vou buscá-los aos sábados”, contou a desalojada do Rocha Pinto.

    Andar 26 km a pé para ter água

    Para adquirir água, os moradores do Zango 4 têm de acordar muito cedo e percorrer 26 quilómetros. Quem tem algum dinheiro contrata um carro de mão, mas os menos abonados não têm outra escolha senão colocar na cabeça o recipiente e percorrer esta distância a pé.

    Maria, desempregada, diz que todos os dias passa mal, porque a distância é muito longa e com o sol, às vezes, é como se estivesse a “comer o pão que o diabo amassou”. A mulher não tem possibilidade de alugar um carro de mão, por isso, anda pé ante pé quilómetros a fio. O corpo ressente-se do peso da água e da caminhada, mas há que seguir. Ir em frente para ter o que beber, para ter com que cozinhar.

    “Minha irmã, com aquele sol a te bater com o bidon ou balde na cabeça até me pergunto: cometi algum pecado”, pranteou a mulher, acrescentando que muitos optam por acordar cedo para não passarem por isso.
    Questionada sobre a falta de hospitais, centros e ou postos médicos, Mena Alberto respondeu de forma lacónica: a sorte da saúde está entregue nas nossas próprias mãos ou nas de Deus.
    Se alguém se sentir mal de dia, os moradores recorrem ao hospital no Zango 2, mas se for de noite a situação é outra.

    “Se for de noite não há como ir, aqui não passam táxis. Só se safam os que têm, pelo menos, uma viatura. A maioria não tem, passa mal, prestamos mesmo os socorros em casa com um paracetamol, ou então é Deus que nos ajuda a esperar amanhecer”, explicou.

    Fonte: Novo Jornal

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