Nos últimos tempos, tem aumentado o número de acidentes de viação nas estradas nacionais, com realce para Luanda. O médico ortopedista Pascoal Campos explica que, se os doentes chegarem com lesões complexas nos membros, estes podem ser amputados. Ele pede maior responsabilidade aos utentes das estradas e acrescenta que a recuperação, além da cara, é morosa, o que traz consequência para a vida social dos pacientes.
Jornal de Angola – Que avaliação faz do tratamento prestado às pessoas vítimas de acidentes de viação na Clínica do Prenda?
Pascoal Campos – A avaliação é positiva na medida em que existe um empenho por parte dos médicos e enfermeiros para o atendimento e recuperação dos doentes que vêm cá parar. Nós temos recebido muitas pessoas vítimas de acidentes de viação, provenientes, não só de Luanda, mas de todas as províncias do país.
JA- Qual é a percentagem de pessoas internadas em consequência de acidentes?
JA – Quais são os dias da semana em recebem mais vítimas de acidentes?
PC – Os acidentes aumentam aos fins-de-semana e em datas festivas, como o Carnaval, Natal e Ano Novo, isso devido à ingestão de bebidas alcoólicas aliada ao excesso de velocidade. São factores que concorrem muito para os atropelamentos. Aos fins-de-semana prolongados deixamos quase toda a equipa de ortopedia de prevenção para atender a esses casos.
JA- Que tipos de lesões são mais frequentes?
PC – Temos 13 casos de fractura da anca, seis de fractura exposta, quatro de fracturas de fémur e seis de ferimentos diversos por armas de fogo. Mas em maioria são resultantes de acidentes de viação.
JA- A Clínica do Prenda está preparada para receber um número considerável de doentes?
PC – Devido ao elevado número de doentes, somos, em alguns casos, obrigados a colocá-los em colchões. A Clínica do Prenda é um hospital terciário, destinado ao tratamento de casos complexos. Mas, devido a problemas na rede de saúde primária, os doentes vêm cá parar, quando deviam ser atendidos primeiro nos centros de saúde. E nós, como médicos, não podemos rejeitar pacientes.
JA- Verificamos a existência de muitos jovens internados. Que dizem os mesmos aos médicos sobre as razões dos acidentes?
PC – Como disse, o número de doentes aumenta em épocas de festas e fins-de-semana, porque os jovens estão mais tempo na rua. Vão às festas e muitas vezes têm um comportamento irresponsável durante a condução. Consomem bebidas alcoólicas em excesso e não cumprem o Código de Estrada. Alguns jovens com quem conversei disseram que tiveram o acidente porque estavam a fazer competição de motorizadas em horários nobres.
JA – Já receberam casos que, devido ao seu estado, tiveram de amputar membros?
PC – Já amputámos membros a várias pessoas devido a acidentes de viação. No mês passado, recebemos um paciente proveniente da província da Lunda-Sul que teve um acidente de motorizada. O tratamento que recebeu na província não foi dos melhores, o que afectou a área circulatória de um dos membros inferiores e resultou em infecção. O membro foi amputado porque não tínhamos alternativa, porque ele chegou à Clínica em estado avançado de infecção.
JA – Como reagiu o doente quando soube que lhe seria amputado um dos membros?
PC- Depois de conversarmos com o doente, devido à situação, ele recusou a cirurgia. Mas como o estado de saúde se estava a agravar, acabou por assinar o termo de responsabilidade e o membro foi amputado. O estado de saúde melhorou de forma significativa.
JA – Os doentes saem da Clínica recuperados ou regressam para consultas ambulatórias?
PC – Deixa-me dizer que a maior parte dos casos operados na ortopedia são traumas resultantes de acidentes. A equipa médica cuida dos doentes até à recuperação total. Mas há casos que enviamos para as consultas de fisioterapia e outros para o Centro de Recuperação e Reabilitação Física.
JA – Como está a sector de ortopedia em termos de material?
PC – Não estamos bem. Falta-nos algum material para trabalharmos como os implantes, parafusos, entre outros equipamentos, pelo que temos feito grandes esforços para continuarmos a tratar os doentes de forma adequada. Apesar dessa lacuna, temos recebido apoio da direcção do Hospital e do Ministério da Saúde e acredito que em breve esta insuficiência vai ser ultrapassada.
JA – Quando não existe o material que citou, como assistem os doentes?
PC – Tratamos com os métodos antigos. Somos profissionais e temos de atender os doentes. Não podemos mandá-los para casa. Dizer também que os materiais que recebemos, muitas vezes, não demoram devido ao número considerável de doentes que recebemos.
JA – Qual é a proveniência dos doentes assistidos na ortopedia?
PC – Recebemos doentes provenientes de todas as províncias do país, com realce para o Kwanza-Sul, Kwanza-Norte e Bengo, com uma média de três a quatro doentes por dia. São doentes com fracturas diversas.
JA – Quantos médicos e enfermeiros trabalham no sector de ortopedia da Clínica do Prenda?
PC – Trabalhamos com 15 médicos, dos quais 10 são especialistas e cinco são médicos internos. Temos três médicos cubanos, quatro vietnamitas e os restantes são angolanos.
JA – A área de ortopedia foi concebida para 33 camas e neste momento tem 66. A que se deve esse aumento?
PC – Esse aumento deve-se ao número de doentes que ocorrem à Clínica, sendo que muito deles, pelo seu estado, merecem internamento urgente. Como não temos capacidade para aguentar esse número de doentes, tivemos de improvisar. Colocamos doentes em macas.
JA – Que sequelas pode apresentar um paciente vítima de acidente de viação?
PC – São várias as sequelas, dependendo da patologia resultante do acidente. Nos últimos tempos, temos recebido pacientes que sofreram acidentes muito graves, com lesões complexas, como fractura de fémur ou da bacia. Esses casos, em geral, deixam sequelas, como encurtamento ou dismetria de um dos membros, outros apresentam rigidez da articulação do joelho devido o tempo prolongado do tratamento.
JA – Existem muitos casos de infecção do osso?
PC – Esses casos diminuíram de forma considerável, o que deixa orgulhosa a equipa de trabalho. Quando começamos a trabalhar, há cinco anos atrás, o número dessas infecções era elevado. Era uma das complicações mais frequentes e temíveis.