Já houve tempos melhores, de vacas bem mais gordas, tanto para os compradores angolanos que desembarcavam no Brasil, principalmente em São Paulo, em busca de mercadorias para revender em Luanda e em outros quadrantes «da banda», quanto para os vendedores brasileiros que se habituaram a atender os seus clientes africanos abastados e vê-los a gastar nas suas lojas grossistas.
A realidade constatada pela reportagem do Semanário Angolense e sustentada pela opinião de muitos angolanos residentes por lá é outra. Essa realidade não está muito longe do quadro que consagrou os clientes angolanos como dos melhores nas zonas comerciais dos conhecidos bairros têxteis do Brás e do Bom Retiro, na cidade de São Paulo.
No entanto, o que se verifica é uma visível diminuição dos tráfegos de bugigangas nas ruas desses bairros, pelas angolanas, facto que mostra o arrefecimento da actividade muambeira. Além disso, as agências de transporte que se especializaram em cargas para Angola, já não recebem mais as mesmas tonelagens de mercadorias.
O mesmo acontece com as «bichas» de check-in nos voos para Luanda, no aeroporto de Guarulhos, que há alguns anos se abarrotavam de «bikuatas», e agora correm em estado fluído.
Por causa da discrição que tanto as angolanas quanto os comerciantes locais procuram manter essa convivência, identificar-se como jornalista diante deles é sumariamente espantá-los e ficar por fora do que realmente ocorre.
Por isso a obtenção de informações por parte do SA procurou sempre estar anónima e prudente, e muitas vezes se fez sob o disfarce um cliente em busca de mercadorias.
Desse modo foi possível saber-se que por consequência da queda desse fluxo de mercadoras angolanas os hotéis que trabalhavam com a maioria dos quartos ocupados por elas já começaram a contar com mais clientes brasileiros; as lojas recebem poucas encomendas; e os «kinguilas» tiveram o seu «facturamento» reduzido.
Clientes que gastam Os referidos clientes eram e continuam sendo, sobretudo mulheres, e a lista de mercadorias que carregavam contava primeiramente com roupas, mas era engrossada por uma infinidade de outros itens na linha de acessórios de moda, como adereços, bolsas e calçados e também electrodomésticos. Para realçar a beleza, não deixavam de lograr os serviços dos muitos salões de cabeleireiros, mormente os especializados em atendimento a mulheres negras. Impulsionadas notavelmente por uma especie de «cultura urbana brasileira» veiculada pelas telenovelas daquele país, as angolanas (falemos no feminino já que foram sempre maioria esmagadora neste panorama) – assim como outras africanas «lusófonas», em menor numero – enchiam os «kibutos» com o melhor da moda que os personagens das produções novelescas vestiam. Era garantia de revenda.
A movimentação em torno dessa actividade muambeira suscitou uma série de serviços: hotéis, de modo geral, sem luxos, alguns dos quais passaram a oferecer pratos típicos angolanos; ou hospedagem em casas de compatriotas que já tinham residências fixas na cidade; atendimento personalizado e produtos muitas vezes feitos sob encomenda; guias de compras que também, às vezes, faziam o papel de «seguranças»; câmbios feitos por «kinguilas» ao modo muangolê; transporte de mercadorias até ao aeroporto ou, em casos de grande quantidade de volumes, a serventia de agencias que se especializaram no envio de cargas para Angola.
Todavia, alem desses serviços as angolanas também despertaram a atenção da gatunice e não poucas vezes muitas foram assaltadas por bandos de marginais que chegavam a formar-se especialmente para esse efeito. As notícias desses incidentes criminosos foram parar nas páginas policiais dos principais jornais brasileiros e os jornalistas não tardam em ir mais fundo na matéria e descobriram o mundo muambeiro que as angolanas moviam.
Segundo informações veiculadas na imprensa brasileira, no auge dessa linha da actividade mercantil, por volta de 2007, citando a Associação de Lojistas do Brás, 700 angolanas circulavam diariamente pelas ruas do bairro, passando de dez a quinze dias na cidade. Ademais, cerca de oito hotéis dependiam directamente da hospedagem dos angolanos, que levavam entre 200 a 500 quilos de mercadoria, sobretudo, roupa.
«Havaianas» rijas
Actualmente, há mais voos ligando o Brasil a Angola, como talvez nunca houve. Como se explica então o desinteresse das mercadoras angolanas, o arrefecimento do comércio muambeiro?
E quais são os demais focos dos interesses angolanos nas «terras do carnaval e do samba» que justificam tanto trânsito aérea?
Começando pela última questão, hoje tratamentos médicos, formação tecnica-académica e turismo são os outros motivos que levam os angolanos ao Brasil. Já no que diz respeito à «muamba», embora reduzidos, os «kibutos» de roupa feminina continuam a cruzar o Atlântico, mas a diminuição dos volumes deve-se à oferta mais barata dos produtos chineses. Porém, o grande negócio mesmo e o dos chinelos «havaianas». Estes estão a segurar as «exportações muambeiras», superando mesmo o comércio de cabelo humano, usado pelas mulheres, o segundo produto mais comprado pelas angolanas.
Fonte: SA