
Costuma dizer-se: “Quem tem medo compra um cão.” No universo dos mercados de capitais este adágio sofre uma ligeira alteração e é reformulado para “quem tem medo investe em ouro”. Hoje, como é sabido, o mundo atravessa um período conturbado devido à forte desaceleração económica nos países desenvolvidos. Os mais pessimistas acreditam que a Europa e os Estados Unidos venham a registar um crescimento próximo do zero nos próximos anos, tal como sucede com o Japão desde o início da década de 90.
Warren Buffett: O oráculo de Wall Street profetiza que a valorização do ouro vai continuar
Esta ameaça, que começa a estar longe de ser apenas ficção, é espelhada pelos acontecimentos recentes no mercado de capitais: só este ano, os principais índices accionistas mundiais somam perdas a pique na ordem dos 20% e uma volatilidade intensa. Paralelamente, os títulos do Tesouro de vários países da zona euro estão hoje a cotar, no mercado secundário, acima dos 30%, com os investidores a anteciparem a forte possibilidade de alguns Estados europeus, caso da Grécia, entrarem em bancarrota.
Numa situação bem distinta tem estado a indústria aurífera que, desde Janeiro, observa uma valorização de 22%. A escalada do metal amarelo reside num único factor: o medo dos investidores. “Ao investir em ouro, espera-se que alguém, daqui a um ou cinco anos, esteja disposto a pagar mais do que nós pagámos no passado. Estamos a apostar no medo que as pessoas vão ter dentro de alguns anos”, explicou Warren Buffett, um dos maiores investidores do mundo e a terceira pessoa mais rica do planeta, aos accionistas da Berkshire Hathaway, em Abril, no decorrer do aclamado “Woodstock do Capitalismo”, realizado anualmente em Omaha, Estados Unidos.
O ouro é considerado um activo de refúgio contra crises. E a verdade é que a incerteza em redor do rumo da economia mundial aliada a níveis de baixas taxas de juro continua a catalogar o metal precioso como um investimento cada vez mais brilhante e atractivo para os cofres dos investidores.
Nos últimos 33 anos, o metal precioso registou uma valorização extraordinária de 737%, o equivalente a 6,6% por ano. Recorde-se que a 31 de Dezembro de 1978 a onça estava a cotar nos 207,83 dólares e actualmente está a ser transaccionada perto dos 2 mil dólares.
O principal catalisador deste comportamento foram as várias crises que ameaçaram a economia mundial ao longo deste período e que levaram o ouro ao estatuto de activo de refúgio de investidores e bancos centrais.
Batendo novos máximos históricos
Desde a crise financeira mundial, em meados de 2007, o ouro já escalou 168%, culminando em Setembro com um novo máximo histórico ao ser negociado a 1920 dólares. Os especialistas acreditam que a valorização do metal dourado não ficará por aqui. De acordo com as estimativas de vários analistas e investidores presentes em Montreal, no Canadá, na última conferência London Bullion Market Association (LBMA), o maior evento da indústria aurífera, o ouro poderá superar a barreira dos 2 mil dólares já no próximo ano.
A LBMA tem uma forte tradição de prever acertadamente a trajectória do preço do ouro. As estimativas dos participantes até costumam ser cautelosas: no ano passado, quando a onça estava a ser negociada a 1298 dólares, a LBMA previu que o ouro chegaria aos 1450 dólares este ano (na realidade está acima dos 1700 dólares). A confirmar-se as novas estimativas, isso significa que o ouro ainda tem, pelo menos, uma margem de valorização de 14%, face aos preços actuais.
“Quando aplicamos em ouro estamos a apostar no medo dos investidores quanto ao futuro”.
Warren Buffett, falando aos accionistas da Berkshire Hathaway, em Abril, no decorrer da reunião anual de Omaha, que muitos apelidam de “Woodstock do Capitalismo”
Para o multimilionário John Paulson estas são óptimas notícias. O gestor norte-americano reforçou as posições em ouro do seu hedge fund em pleno pico da crise financeira. Com o mesmo grau de satisfação deverá estar o Banco Central mexicano, liderado por Agustín Carstens, ex-candidato à liderança do Fundo Monetário Internacional, que nos primeiros seis meses do ano foi a autoridade monetária mais activa no mercado aurífero — saldo líquido de 98,8 toneladas de ouro, segundo dados do World Gold Council. Mas o destaque maior vai para o Banco da Rússia, o único banco central do mundo a registar compras mensais consecutivas desde o início da crise financeira, em meados de 2007. Desde então, já adquiriu 424,7 toneladas de ouro que ajudaram a fazer da Rússia o sétimo país com mais ouro do planeta — totalizam 836,7 toneladas, ou seja, 7,7% das reservas mundiais do metal precioso.
Porém, há quem preveja uma bolha no mercado aurífero. O multimilionário George Soros é um deles. Depois de, durante anos, o seu lendário hedge fund Quantum ter investido maciçamente no SPDR Gold Trust, George Soros revelou à Reuters que “o ouro é a última bolha”. Desde então, o megainvestidor tem vindo a reduzir a exposição ao metal precioso.
A visão de uma bolha no ouro é, em parte, justificada pela amplitude entre o preço a que a onça é negociada nos mercados internacionais face ao seu custo de produção. Segundo dados recolhidos pelo Fortis Bank Nederland, o custo de produção de ouro na mina passou de 609 dólares para 620 dólares no primeiro trimestre deste ano, ou seja, uma subida de apenas 1,8%. O ouro nos mercados internacionais tem valorizado muito mais. Logo a margem de manobra dos vendedores é bastante elevada havendo, por isso, um espaço para correcções do preço do ouro sem “magoar” severamente as carteiras dos produtores e vendedores do metal precioso. Mas até onde pode o ouro corrigir?
Vem aí uma nova bolha especulativa?
Olhando para o gráfico histórico da evolução da onça (veja página anterior), facilmente se percebe que a febre do ouro vai alta. Destaque também para o facto de o metal amarelo apresentar um nível de suporte forte para o curto e o médio prazos nos 1652 dólares, ao mesmo tempo que se encontra aos níveis de sobrecompra de 1993 e 2006. Recuando até esses anos, podemos observar, que no primeiro episódio após o sinal de sobrecompra (há 18 anos), medido por um indicador da análise técnica conhecido como “Williams % R”, a cotação da onça manteve-se pouco alterada. Mas, em 2006, após a ocorrência deste mesmo sinal, o ouro registou uma correcção de 22%. Na prática, isso significa que os investidores que acompanharam a repentina explosão de 16% do ouro nos últimos três meses, poderão esperar algumas correcções nas próximas sessões.
Mas uma coisa parece certa, a volatilidade da onça deverá ser mais intensa no futuro, face à apresentada na última década, pois o metal precioso deixou de ser encarado como um activo conservador. Por isso, está a ser alvo de grande interesse por parte dos investidores mais agressivos.
Por: Luis Leitão
Fonte: Exame
Foto: Exame